A lenda e seu preço
Em menos de três aulas eu era a lenda do colégio. Meu nome e a incrível proeza corriam pelos corredores de boca em boca e suas suposições. Ninguém acreditava que a menininha pequenininha até com cara de criança tivesse sido capaz de enfrentar a professora mais rígida e odiada daquela instituição de ensino.
Enquanto Andréa me encarou na fila para o lanche, os metaleiros me deram passagem VIP. Os adultos estavam perplexos e os rebeldes sorriam maliciosamente. A um alto preço morria a songa monga.
Quando fui procurar Van, a encontrei conversando com uma multidão, imitando meus trejeitos e me caluniando.
-Tive de custear um aborto dessa cadela. Ela assaltou a casa do próprio pai para ir aquela clínica nojenta. – fingia indignação - Minha mãe descobriu e ia me enxotar pra fora de casa. Por causa dela!
-Que horror! – suspirava Cristina, abraçada a Márcio
-Ela tava querendo ir morar lá em casa achando que é reduto de viciado.
Não podia ser. Van não poderia virar as costas. Não dessa forma. Eu assaltei minha própria família em nome da amizade e era retribuída de uma forma nada agradável.
Procurei por Gui, mas só então me recordei de que ele não veio à aula. Tranquei-me na terceira cabine e chorei por quase uma aula inteira.
Eu era leal a Van. Desci nos conceitos de todos para impressioná-la e ela, controversamente, após me usar, me transformar em sua marionete, me descartava como se nada do que juntas vivemos tivesse qualquer importância.
Sem esboçar qualquer entusiasmo para aturar risinhos e cochichos, matei o 5º tempo dando voltas pelo shopping. Só não cometi furtos porque as malditas lojas de conveniência possuíam câmeras instaladas até dentro dos banheiros.
Raimunda telefonou para casa. Certa disso estava até por demais, sobretudo em caso de suspensão. A segunda em menos de um mês. Na terceira vez eu seria expulsa.
Ao colocar os pés em meu lar, encontrei quatro adultos extremamente furiosos olhando em minha direção. Deu merda!
-O que você está pensando da vida, Renata Muriel Neves Linhares? – Meire estava com meu baseado em mãos
Meus podres foram todos descobertos.
-Pode nos explicar o que significa isso, Renata?
Com boina, fardamento e cassetete, minha mãe seria uma legítima policial. Até a entonação fazia a espinha de qualquer um arrepiar.
-Isso não é meu.
-Não seja cínica, Renata. Encontrei isso debaixo de seu travesseiro hoje pela manhã.
-Não acredito que esteja fumando maconha, Renata. – Horácio estava desapontado
-E daí? Todo mundo fuma... – belo argumento contra 4 adultos coléricos
-Todo mundo vírgula, senhorita. Nessa família não. – berrou Felix – Nós somos uma família de respeito, princípios e não iremos tolerar esse tipo de comportamento.
-Quem é você pra querer me ditar regras? Me esqueceu a vida toda, aí quando a diretora liga pra casa, se lembra que eu existo? Sem chance, pai.
- Não te disseram que maconha vicia? – urrou a moralista Meire, a mãe de fachada
-Não só vicia como serve de trampolim pras drogas mais pesadas... Alguns usuários, no extremo desespero, chegam a agredir e extorquir os próprios pais para sustentar o vício. Isso quando não saem roubando na rua... Como eu disse anteriormente, são essas más companhias que enchem a cabeça da Tita. Ela é uma boa pessoa, mas influenciada pelas minhoquinhas, não posso assegurar até onde ela pode ir. – Helena estava indo longe demais
A princesinha do papai tornou-se rebelde, inconsequente, maconheira e extremamente mal educada. A menininha que usava sapatilha, meia-calça e fitinha no cabelo cedeu a espaço a adolescente desleixada com o lápis de olho como item essencial antes de mesmo de colocar os pés no chão para sair em público.
Odiava aquelas pessoas que nunca se importaram comigo tentando mostrar preocupação. Podia sim ser uma adolescente vagabunda a não valer nem mesmo o ar que respirava, mas se minha liberdade viria a esse preço, por ele pagaria até o último centavo, a última chicotada, desde que com isso percebessem que eu NÃO era mais criança.
- Já se drogou hoje? – meu pai estava se saindo mais rude que mamãe
- E o que isso te importa?
-Isso me importa SIM porque você está sustentando o vício com o MEU dinheiro e o dinheiro de sua mãe, mocinha...
-E enquanto você não se sustentar sozinha não pode falar assim conosco, Renata. Você não é melhor do que eu. Você mora debaixo de nossos tetos, come da nossa comida e além de tudo é uma inútil... Você não faz nada a não ser dar prejuízo e desgosto. Quando você se formar numa faculdade, se bancar sozinha e morar noutra casa pode fazer o que bem quiser, mas enquanto estiver sob nossa responsabilidade deve explicação de todos os seus atos, queridinha... – Meire sabia como me colocar no chão com e sem pancada
Horácio parecia uma bonequinha sentada no sofá sem demonstrar qualquer reação. Eterno conivente com mamãe. Falso, duas caras, traíra. Covarde alado.
-Desrespeitando a professora, rasgando prova, falsificando assinatura. Renata está irreconhecível. – concluiu Meire
-Talvez com castigo se situe e abra os olhos. – era tudo que papai tinha a dizer
-Castigo não... – bati os pés
-CASTIGO SIM, SENHORITA. – berraram os adultos
Resumindo: tive de arrumar meu quarto, fui proibida de assistir televisão e mamãe iria me levar e buscar para descontar do passe. Preferia a Fundação Casa de uma vez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário