Desleixada, desregrada, emaconhada!
-Ei ei ei, menina. Parada aí.
Sujou.
-Não acha que ta muito novinha pra ficar rateando por esse lugar perigoso?
-Eu? – quase não conseguia falar
-A senhorita sim. – me arrostou por inteiro - Posso ver tua mochila?
-Não. – respirei fundo – Sou no-nova na cidade. To perdida, tio. – inventei – Sabe onde fica a praça Carlos Gomes, tio? Essa cidade é muito grande e um moço me falou que era pra cá, então eu fui...
Não sei como saiu aquele improviso sem o mínimo de fundamento, mas pelo modo como chorei, o homem sentiu-se até comovido. Enquanto ele virou as costas para atender a um chamado na viatura, corri sem olhar para trás e voltei para casa apagando e só despertando na manhã seguinte com um eficiente despertador: uns chutes de Meire.
-NÃO VAI ACORDAR NÃO, VAGABUNDA? TA PENSANDO O QUE DA VIDA, RENATA MURIEL? – puxou meus edredons com força a ponto de eu cair da cama - São 06h40min, sua vagabunda. Não vai levantar, não?
Ainda grogue e com os olhos pesados, sentei-me na cama extremamente desarrumada. Mamãe abria as cortinas gritando e me xingando muito. Creio que até os vizinhos acordaram daquele jeito.
- É desse jeito que você quer passar de ano? Acordando tarde e vadiando? Pois saiba que a partir de hoje as regras dessa casa irão mudar...
-Continue gritando comigo desse jeito e eu vou morar com a Van. – ameacei – Pra mim essa casa já deu...
-Olha o estado como está seu quarto, criatura. Nem mesmo banho deve estar tomando mais. Ai de você se hoje não der um jeito nessa baderna.
Mal abocanhei um pedaço de pão e ainda assim cheguei atrasada ao colégio. Aula da entediante Prof.ª Carmen, História. Uma velha chata, arrogante e mal humorada, cujas aulas eram um convite ao sono coletivo. A filha da mãe adorava aplicar prova-surpresa.
-Em cima da carteira apenas 3 folhas de caderno, lápis ou lapiseira, borracha, canetas azul ou preta e nada mais. Mochila, fichário, caderno ou sei lá mais o que, do lado da carteira e ai se eu ver neguinho colando. Dou zero pros dois e SUSPENSÃO.
Sentei-me atrás de Van, a cumprimentei e ela ignorou. Algo estava errado. Para piorar mais, Carmen me trocou de lugar, me colocando sentada em frente a carteira do mestre. A maldita prova era toda ditada e a única pergunta que eu sabia responder era a primeira, referente ao conteúdo da primeira aula do ano. E só.
Matava tempo fingindo estar rabiscando, porém Carmen era muito esperta e pigarreando indiretas, trocou-me de lugar novamente: primeira carteira da primeira fileira ao lado da janela.
-E ai de você se eu te pegar colando.
Três minutos depois, contados no relógio, Carmen parou novamente em frente a minha carteira e começou a implicar.
-Não gosto desse jeito que você escreve.
-Sou canhota, professora.
Dois minutos após vistoriar fileira por fileira, a velhota engrossou a voz comigo:
-Não vai resolver essa prova não?
Surpreendeu até a mim que fechasse a tampa da caneta, respirasse fundo, me levantasse da carteira e rasgasse aquelas folhas com tanta rapidez, chocando a mulher e a quem mais quer que fosse.
Em menos de 5 minutos eu estava no gabinete de Raimunda levando suspensão por um motivo pelo qual aluno nenhum se arriscaria a tentar.
- Você cometeu um delito e vai ter que pagaaar. – os berros de Raimunda eram ensurdecedores
-Eu tenho um VT. Serve? – ironia desgraçada
-Você tem muita sorte de não ser expulsa desta instituição, mocinha delinquente. Mas esse dolo não ficará impune.
Matei a aula seguinte zanzando pelo pátio, encontrei Van no bebedouro e tentei conversar. Gelo total. Insistência.
-Fiz tudo pra você, mas quando mais precisei, você deu as costas, né?
-Não to entendendo, Van. O que houve?
- Na hora de me usar como escada me procura, mas na hora de me defender, foge correndo.
-Van, ela me pressionou.
Vanessa me deixou falando sozinha e subiu as escadas.
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