Piercing no umbigo
Quase não acreditei que aquele carinha cheio de tatoos pelo corpo, alargador nas orelhas e diversos piercings era amigo da Vanessa, axezeira fanática.
-Eita Van, levando outra pro mau caminho. – a abraçou
-Ensinando a viver. – Van encerrou o assunto
O local de trabalho era muito zen com grafites feitos pelo próprio Lelo, dono do estabelecimento e também estavam expostas muitas jóias para o freguês escolher. Na sala de espera um regueiro cheio de dreads no cabelo preenchia formulários e Vanessa conversava com Lelo.
Nos sofás, muitos jovens ansiosos esperavam por sua vez. Era domingo de carnaval, mas havia uma clientela grande esperando por Lelo.
A TV estava ligada em um filme irrelevante. O sinal era péssimo, diga-se de passagem. Compensava mesmo ouvir Bob Marley e folhear as revistas de surf espalhadas pelo sofá de preto de couro.
Eu estava quase me arrependendo de colocar o piercing quando o secretário me chamou. O cheiro de maconha alastrava o local.
-Preenche as paradas aí... Se for menor de 18 tem que mostrar a assinatura do pai ou da mãe...
-Por que não disse antes, filha? Onde é que eu assino, hein? – e roubou a cena, ainda que nós não tivéssemos nenhum traço em comum
Havia uma fila de espera. Sentei-me ao lado de Van no sofá e ela parecia muito interessada em admirar algumas joias no mostruário. Eu a vi discretamente furtar um lindo piercing com penduricalhos e enfiar imperceptivelmente entre seus voluptuosos seios.
-Renata Ariel... - Lelo me chamou
Maconheiro besta. Escreveu errado meu nome.
-Muriel – corrigi
Senti o mesmo frio na barriga do dia da festa da Cris...
-Então escolheu essa jóia? - perguntou o Lelo enquanto esterilizava as agulhas
-Aham! - respondi juntando os pés porque minhas pernas tremiam involuntariamente
Ouvir Ramones como som ambiente fez com que minha preocupação fosse para os ares e até prolonguei a conversa só para mencionar que meu namorado era viciado em Ramones.
-Pode deitar ali na maca?
Deitei imediatamente e tentei me concentrar na melodia de Poison Heart pra não pensar na dor.
-Vai doer muito?
-Eu sempre ouço essa pergunta. - riu - Não vai doer nadinha. Vai ser só o susto da picadinha!
Não senti dor nenhuma e quando fui entregar os 30 reais (custo da jóia e da colocação desta), ele não aceitou o dinheiro. Fiquei perplexa!
Recebi recomendações de como cuidar do piercing e descobri que tinha uma garantia de seis meses a partir daquela data, mas somente em caso de defeito de fabricação já que o piercing era composto por aço cirúrgico. O seguro não cobria o mau uso por parte do comprador...
Agradeci o Lelo e fui pra fora do prédio. A Vanessa ainda ficou conversando por mais um tempinho com o amigo e então voltou.
Fomos comer sorvete pra comemorar e tão logo ela já pediu uma cerveja:
-Te pago depois, Tita. Prometo!
Nunca fui chegada em axé, mas estava na companhia da Vanessa e obrigada a fazer tudo que ela fazia. Até montamos às escondidas na carroceria de um caminhão que estava indo em direção a Itapoá, onde Van tinha altos conhecidos.
Em um gramado bem próximo a praia, sentamo-nos à areia e Vanessa certificou-se de que ninguém nos encontraria, tirando de dentro do sutiã uma caixa de fósforo e dois cigarros de maconha.
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