Horácio e eu selecionamos as músicas que iriam tocar. Como Meire nunca foi chegada em cozinhar, encomendou um kit para 150 pessoas, ainda que nem mesmo 30 confirmassem presença e me forçou a fazer dieta para caber no vestido de princesa que escolhi.
Eu queria fazer cachos nos cabelos porque já vivia com as madeixas lisas. Meire odiava cabelos ondulados e me impediu.
-Vai ficar mais bochechuda ainda se fizer cachos e, por favor, nada de batom vermelho pra não parecer um sapatão mesmo.
Contrariando as normas, pintei minhas unhas de preto e fiz detalhes com glitter, usei um sapato prateado no modelo que estava fazendo sucesso no momento e resolvi fazer uma franja de lado igual às metaleiras lá do colégio, as únicas jovens com quem Cássia não mexia porque sabia que apanharia.
-As meninas vêm, não vem? – questionava Meire, dentro do carro
-Vem sim. – menti balançando a cabeça positivamente
-E é bom que você trate de não dar vexame hoje.
Nada de tele mensagens e poesias carinhosas, cestas de café da manhã. Meire não demonstrava um pingo de amor por mim. Se amava, era um jeito extremamente ridículo de demonstrar.
-Ela não ta linda, Meire? – Horácio me paparicava
-Ta gordinha. Acho que andou assaltando a geladeira enquanto eu virei as costas. – debochou – Vê se não come todos os docinhos, viu? Deixa pros outros convidados.
O ambiente estava todo decorado a meu gosto. Estrelas, coroas, corações, guardanapos alternando entre rosa e azul, minha melhor foto do book ampliada logo na entrada. Os parentes me elogiavam na recepção.
-Quem diria que aquela menininha miudinha iria se tornar uma adolescente tão linda? – bajulava minha avó materna
-Não exagera, mãe. Tita ta gordinha. – Meire me desprezava
-GORDINHA? – minha vó me defendeu – Nem você na idade dela era tão linda desse jeito. Pare de implicar tanto com a menina, Meire. Ela só tem 15 anos. – cochichou em meus ouvidos – Ignore sua mãe. Ela não está falando sério.
-Imagine se estivesse. – pensei enquanto cumprimentava... Cássia?
-AI QUE LINDA! – para as outras meninas – QUE LINDA! TA PARECENDO UMA PRINCESINHA... – cínica – Acho que hoje alguém vai arrumar um namorado por aqui.
Após a chatice de cumprimentar convidado por convidado, mamãe me deixou sair um pouco e então Cássia e suas amigas me abordaram.
-Ei Tita, eu sei que você é lésbica...
-Já disse que não sou.
-Ta, ta, que seja. – enganchou seus braços por entre os meus – Você já tem alguém pra dançar hoje? Não vale ser mulher. Dá azar.
-Não tenho ninguém. Vou dançar só com meu padrasto e liberar a pista pra galera.
Sorriu esfregando as mãos. Suas amigas, rindo, estavam atrás dela. Cássia era um imã e suas bajuladoras a seguiam onde quer que fosse.
-Sabe o Erick?
Erick basicamente me odiava desde o primário. Se falava comigo era em tom grosso, ríspido e quase desviando o olhar para não ter de me fitar. O que ele queria comigo?
-O Erick sempre foi afim de você, mas ficou muito triste quando soube que você era lésbica. – me abraçou e apontou para onde Erick estava – Hoje, lindinha, você tem a chance de provar a todo mundo que gosta de homens. Erick quer ficar com você.
Erick era um menino bonito de verdade. Aliás, era o mais lindo da classe. Sempre tive a plena convicção de que ele fosse afim de Cássia. Raro era algum jovenzinho lá dentro não ser. O único a que tive conhecimento foi Adolfo.
Erick olhar para mim mais atentamente deixou-me instigada a quem sabe dar-lhe uma chance. Os homens podem ter alguns mecanismos um tanto esquisitos, porém, eu era tímida demais para me dirigir até ele.
-A gente pode te ajudar, Tita. – garantiu Leka mascando chicletes – Andando com a gente você pode ter o menino que quiser, ainda mais hoje que é seu aniversário. 15 anos não podem passar em branco.
3 anos antes Adolfo seria meu príncipe. Aos 15 anos ele deveria estar mais lindo do que já era aos 12. Muito hipoteticamente já teria me esquecido namorando com alguma fardada do colégio militar. Eu nem existia mais em seu coração, então não havia motivos para dele me lembrar, embora tenha sido ao seu lado que descobri a magia do amor. Sim, para mim o amor ainda tinha sua aura de cura e transformação.
Dancei a tradicional valsa às 18h00min com Horácio e dele ganhei um anel de solitária. Cuidadosamente ele colocou o presente no dedo anelar da mão esquerda e proferiu-me tão lindas palavras às quais por pouco não me fizeram estragar a maquiagem.
-Está linda como uma princesa. Aliás, você é a nossa princesa.
Sem namorado ou mais alguém que fizesse questão de dançar comigo, abri a pista para os jovens se sacudirem e ficarem a vontade para cantarem no videokê, até mesmo ir embora. Por mim eu iria também, apesar de estar ansiosa para conversar com Erick, o que só não fazia por puro temor.
Sentada em uma mesa observava todos se divertindo. Apesar de tecnicamente ser a dona da festa, ali não era meu lugar e aquelas não eram as pessoas com quem eu queria estar. Quem realmente desejava tudo aquilo morrera dois anos antes.
-Ei Tita, ainda não foi falar com o Erick? – Cássia parou em frente a minha mesa
-Não sei se é verdade.
-É melhor ir logo antes que ele mude de ideia e fique com outra guria. – pressionou – Sabe como são os meninos nessa idade, né? Tão vulneráveis...
Levantei-me e fui até a mesa em que Erick e seus amigos bebiam refrescos, já que Meire e Horácio proibiram bebida alcoólica.
-Que quer aqui? – dessa maneira me tratava o garoto Erick
-Vi-vim falar com você. –unia as pernas e mostrava firmeza na voz
-Eu gosto da mesma fruta que você, então sem chance. – curto e grosso
-A Cássia disse que você queria ficar comigo.
-DISSE? – os outros meninos puseram-se a rir – VOCÊ SONHA, HEIN, GAROTA. BEM CAPAZ.
Olhando para os lados, já chorando, encontrei Cássia e suas amigas rindo muito em um canto. Aliás, todos estavam rindo de mim.
-Nem sequer sabe fazer uma festa. – Erick retrucou derrubando refrigerante na toalha – Pensa que todo mundo aqui tem 5 aninhos de idade. Música palha, aniversariante feia, comida ruim. Nem sei o que vim fazer aqui. – seus amigos assentiram com a cabeça
Deixei o salão aos prantos. Ninguém sequer veio me procurar para ter a hipocrisia e saber como eu estava me sentindo. Não dei a mínima aos presentes ridículos dados pelos parentes, todos manipulados pelas fantasiosas fofocas de Meire.
Papai, para quem eu era uma princesa, sequer fez um telefonema para me desejar felicidades. Nem mesmo um cartão. Não era apenas sentir-me sozinha. Era jamais poder levar uma vida normal. Meu único amigo era um cachorro Beagle de um ano de idade.
Para todas as outras adolescentes completar 15 anos era sempre motivo de sonhos e alegria. Para mim os 15 eram uma versão piorada dos 14, 13, enfim. Todos os anos eram sempre iguais.
FIM DA 3ª TEMPORADA.
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