-O povo lá me persegue.
-E com motivo.
-Tem pelo menos ideia do que eles fizeram comigo nessa viagem?
-Não me interessa nem um pouco saber. – deu com os ombros
-As meninas me humilharam nessa viagem e o que elas fizeram foi um terço do que passei todos esses anos. Será que não pode ver meu lado ao menos uma vez? Não posso mais continuar lá.
-Mas vai ficar até o 3º do Ensino Médio e ai de você se me tirar UMA nota abaixo de 8. É bom que estude pra passar no primeiro vestibular porque eu não vou desembolsar UM centavo pra pagar faculdade, cursinho ou sei lá o que seja.
-O que não sabe é que não faço a mínima questão de morar aqui até os 18.
-Bom para você. – conhecia esse falso contentamento porque era o prenúncio de outro espancamento
Não poderia estar mais certa.
-Você é doente, uma aberração. Quando minha mãe me disse que eu deveria ter feito aquele aborto eu relutei, mas o próprio aborto da natureza está aí. Uma problemática homossexual. – berrou – Uma sapatona imunda que deve estar transando com esse cachorro. – me estapeou, mas eu protegi Cricri – Eu deveria te internar por só me fazer passar vergonha, ouvir coisa desnecessária lá no colégio.
-LOUCA É VOCÊ! – coloquei Cricri no sofá
-Quando você completar 18 anos eu vou te internar, sua desgraçada.
-Preferia que me matasse.
-Vontade não me falta.
Só, deveras, não me estrangulou porque Horácio a apartou e a trancou no quarto. Ainda podia ouvi-la berrar estridentemente. Salva pelo padrasto.
Cricri só não foi tirado de mim porque Horácio era um confesso cachorreiro e em 2002, particularmente, as coisas melhoraram um pouco mais com Horácio mudando o turno de serviço.
-Vocês dois então que limpem as imundícies desse sarnentinho aí porque eu não tenho tempo nem criança. Nem de criança eu gosto, quanto mais de bicho que só serve pra comer, cagar, dar prejuízo e feder. – reclamava Meire – Essa praga aí ta destruindo nossa casa, acabando com esse lar... Um dia eu ainda hei de dar um fim nele...
No 1º ano do Ensino Médio passei a ficar o dia todo na escola apesar de ter aulas apenas no turno da manhã. À tarde eu escolhia uma mesinha isolada e passava as horas lendo e estudando, até porque estava tendo dificuldades em Física e Matemática, sobretudo com os malditos logaritmos.
A turma continuou quase a mesma e eu ainda era chamada de sapatão. Dia após dia. Meire, que jamais me permitiu ter uma festa decente de aniversário era favorável a me deixar debutar, embora eu preferisse trocar meu presente por um computador.
-Que mané computador. Pra que?
-Pra fazer trabalho, mãe.
-Trabalho é ficar procurando mulher na internet, sua sapatona.
-Eu já disse que não sou lésbica.
-Então por que nunca aparece com um namorado? Nunca te vejo com ninguém e depois não quer que eu pense nisso?
Desde a partida de Adolfo nunca mais consegui me apaixonar novamente nem ficar com mais ninguém. Tinha sim quedinha por um roqueiro cabeludo veterano e o que mais me chamava atenção eram seus lindos olhos esverdeados, o cabelo amarrado e o modo como seus dedos tocavam o violão. Cássia o achava repugnante e por isso mesmo o ignorava.
Nunca cheguei a saber o nome do garoto, entretanto, até mesmo ele devia ter conhecimento de minha péssima reputação na instituição. Eu era zoada até pelas pirralhas do primário.
Protestando ou não, Meire e Horácio alugaram horário em uma boate para realizar minha matinê de 15 anos, ainda mais que a data caiu especialmente em um domingo. Cheguei a fazer um book de 100 poses e usei um vestido azul igual ao de uma princesa.
-Você é uma menina linda. Não deveria ser tão tímida. Sorria! – o fotógrafo tentou o que pode para me animar
Entreguei os convites antes do feriado e supliquei para que todos da minha classe viessem, embora, minutos depois, encontrasse todos os envelopes em papel couche amassados no cesto de lixo.
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