-Não enche... – fingiu não ter ouvido meus gritos
-É MELHOR QUE LEVANTE AGORA ANTES QUE EU TE QUEBRE DE PORRADA.
-Outra hora... to de ressaca. – seu deboche alimentava minha raiva
-Com tempo suficiente pra depredar meus pertences.
-Já disse que outra hora a gente conversa.
-Não tem outra hora. É agora! – a empurrei para fora da cama – É AGORA!
Esfregando os olhos e ainda vestindo seu baby doll de seda, deu uma olhada rápida para o recinto e caiu na risada.
-Voltou da lua-de-mel com a Naná e está indignada porque levou um fora?
-O que está supondo? – minha cabeça revirava com tanta improbidade por parte de Cássia
-Como pode supor um absurdo desses? – as meninas rindo, acordavam e me encaravam como se fossem me matar a qualquer momento
-Não tem vergonha? – colocava as mãos em volta da cintura – Sair com uma mulher casada e velha?
-EU NÃO SOU LÉSBICA.
-Será bem difícil provar o contrário. Todos aqui já sabem.
Fugi das competições porque o alvo principal dos jovens era me encontrar e me surrar.
Por onde ia me esconder era acertada com pedrinhas, pedacinhos de madeira e ouvia os mais diversos xingamentos. Se existia diversão era para Cássia e sua trupe de piranhas cínicas e inescrupulosas. Eu era a palhaça de cara lavada, seu eterno estorvo e passatempo.
Não havia lugar onde pudesse respirar fundo, sentar-me e afirmar estar segura por inteiro. Alguém sempre me encontrava e a perseguição recomeçava. Em um dos momentos mais dramáticos precisei apressar meus passos ou seria linchada. Quando tropecei em um arbusto e caí, de nada mais me relembro a não ser o fato de ter sido acudida por um senhor que me cutucou com um galho para ver se ainda ostentava sinais vitais.
-Não devia ficar escaramuçando por aí, menina. Podia ter morrido. – ralhou comigo
-Oi? – ainda tentava recobrar a consciência
-Essas brincadeiras aí são muito perigosas.
Brincadeiras?
Estava fazendo calor e por lei eu deveria estar brincando de frescobol na piscina com os outros adolescentes. Rindo, cantarolando, torcendo para que os 7 dias passassem bem lentamente e controversamente estava estirada em um gramado ainda molhado em decorrência das chuvas e sentindo o corpo machucado pelos possíveis golpes recebidos de meus colegas, todos me execrando sem nem ouvir minhas considerações.
-Eles te bateram, não bateram? – acocorou-se e colocando seu forte braço por entre os meus, ajudou-me a levantar e conduziu-me até seu chalé – Eneida, encontrei essa menina machucada.
-Valha-me cristo! – a mulher levou uma das mãos a boca devido ao espanto e dirigiu-se até mim – Deixe-me ver isso! Se machucou?
-Uns meninos estavam batendo nela. Deve ter se machucado.
Meninos?
Cássia era dotada de um poder de persuasão que lhe fazia ter o mundo literalmente aos seus pés. Enquanto eu quebrava a cabeça para elaborar minha defesa, Cássia assinava minha sentença de morte.
O homem com a barba por fazer e a expressão cansada de quem muito trabalha foi generoso a ponto de pedir à esposa que cuidasse de mim até voltar para casa.
-Sim, sim, Ademir, mas se cuide nas pescarias.
Eneida estancou meus ferimentos no braço e fez uma compressa para colocar em minha testa. Estava com um enorme galo devido ao tombo.
-Tem uns jovenzinhos que são uns verdadeiros monstros. – sentou-se ao meu lado – Que fizeram contigo, menina?
Eneida poderia ser uma estranha que muito possivelmente viria a me fazer mal. No entanto, na situação em que eu estava, abri meu coração com aquela senhora (quer dizer, tinha lá seus 35 anos) e ela parecia chocada com cada relato por mim feito. Nada era mentira ou exagero. Tudo acontecera comigo.
Almocei no chalé, fiz amizade com a caseira e chorei muito quando precisei voltar ao hotel e encarar o exército de piranhas e mau caráteres que sem qualquer pretexto plausível sentiam prazer em me causa sofrimento. Naná parecia aliviada ao encontrar-me no saguão.
-Por onde andou o dia todo?
-Eu quero ir pra casa. – não me contive e a abracei sendo instantaneamente correspondida – Não aguento mais.
-Vamos telefonar agora mesmo a sua mãe e comunicar esse abuso a coordenação. – pegou-me pela mão e conduziu-me até a mesa onde jantavam diretora e pedagogos
O quarto estava deserto. Meus pertences desapareceram. Pela manhã ainda estavam espalhados pelo chão sujo de vomito. Este continuava inconcebível, entretanto, tudo que era meu não estava lá. Pela primeira vez os adultos perceberam que existia uma forte implicância contra mim e havia provas suficientes para incriminar Cássia e suas comparsas. O banho de água fria veio em seguida:
-Apenas no ano que vem. – respondeu calmamente a diretora fingindo condolências sem a mínima decência de me olhar nos olhos
‘Ano que vem’ era muito tempo. Cássia era uma psicopata e precisava ser desmascarada porque eu já estava farta de ver aquela vadia aprontando e armando todo o circo para EU sair culpada. A justiça era cega, surda e facilmente influenciável.
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