30 de março de 2012

Simplesmente Tita - Cap 50 - Desumano! (3ª TEMPORADA)




Alguém dava batidinhas de leve em meu rosto para me acordar.

Naná? Como entrou?

-Menina, você está dormindo nesse chão gelado?

Mal conseguia articular uma mísera vogal. A cabeça pesava uma tonelada e meu corpo estava amortecido a ponto de ser um extenuante trabalho mover um membro.

-Está pálida. – Naná estava chocada – O que aquelas meninas fizeram com você?

Não conseguia responder.

Tudo que presenciei era a porta da varanda aberta. Naná certamente notou minha ausência e teve a benevolência de me procurar. Apoiando um travesseiro sobre minha cabeça, a afagou.

-Não pode ficar tanto tempo sem comer, criança.

Quando sentiu o cheiro de xixi, encontrou ligação na excessiva alegria de Cássia. Não era normal alguém sentir tanta satisfação em degradar alguém.

-Por que elas fazem isso com você?

-Não sei.

-Desde quando?

-Faz tempo.

-Tita, elas não podem te tratar desse jeito.

Naná estava me chamando de Tita? Ela só chamava de Renata Muriel, sobretudo porque eu detestava meu desnecessário segundo nome.

-Isso é desumano. – estava estarrecida – Precisa tomar um banho.

-Não posso. Elas trancaram a porta. – ainda tonta sentei-me – Eu queria jantar, mas... – comecei a chorar – Mas elas não me deixaram sair...

-Não te deixaram sair?

Naná estendeu o braço para me auxiliar a levantar. Com seu molho de chaves abriu a porta do banheiro e ligou o chuveiro. Só não desmaiei novamente porque agarrei-me ao box. Era vexatório minha professora me ver nua e eu, com as mãos, tentava esconder meus seios.

-Não tem nada aí que eu não possa ver.

-Ah professora, vira de costas. To sem graça.

-Também já tive a sua idade. Aí não tem nada que eu não tenha visto.

Gentil, trouxe-me uma peça de roupa confortável e ajudou-me a pentear o cabelo, conduzindo-me até o refeitório do hotel. Entretanto, o jantar só era servido até às 23h00min e já passava da meia-noite. Levou-me até seu quarto porque em seu frigobar havia mantimentos e um pequeno fogão onde ela preparou macarrão instantâneo com um empanado de frango e refrigerante.

-É importante fazer uma alimentação balanceada na sua idade, ainda mais você que usa bastante a cabeça.

Estava sentada em uma mesa próxima a porta do frigobar e ela, sentada em sua cama, atentamente me observava.

-É difícil ser diferente das outras.

-Não sou homossexual. – me defendi com a voz embargada pelo choro

-Mesmo assim, é diferente.

-Eu não gosto de mulher.

-Você não entendeu o que quis dizer.

-Ao que entendo parece ser um crime não ser igual às outras meninas.

-Seus pais sabem desses abusos?

-Falar com minha mãe e falar sozinha dá quase no mesmo. Ela não se importa.

-Será mesmo?

-Eu já tentei falar com ela, pedir para sair do colégio e ela nunca permitiu.

-Tenho um filme aqui e eu acho que vai interessa-la.

Bem-vindo à casa de bonecas. Assistimos juntas. A Dawn era uma versão fictícia da minha vida, com alguns exageros também. Foi à primeira vez em que vi uma mocinha se ferrar do início ao fim da história. Nada de happy ending. A Dawn sofria bullying dentro e fora do colégio. Resumia-me exclusivamente por isso, embora eu admitisse ser bem mais bonita que aquela atriz. Não fazia a mínima diferença naquele momento.

Acabei dormindo antes dos créditos e Naná me cobriu. Fechei os olhos e resolvi fingir porque estava cansada demais para querer conversar. Naná beijou minha testa e em seguida apagou.

Ao acordar, ela trouxe meu café na cama. Acho que devo ter dormido bastante para perder a noção do tempo.

-Não sabia do que você ia gostar, então trouxe um pouco de cada coisa. – a bandeja estava em cima da bancada

Café com leite, um pedaço de mamão, um cacho de uva, pão de queijo, rocambole, bolo de chocolate e biscoitos de sequilho, meus preferidos.

Abrindo a cortina e contemplando a paradisíaca paisagem, Naná sorriu tentando fazer nossa conversa fluir.

-Espero que esteja bem disposta hoje para ter um dia incrível. Olha que céu azul.

Voltando ao meu quarto, ou melhor, ao aposento do inferno, encontrei meus cds quebrados, meu walkman pisoteado, as roupas todas sujas de vômito espalhadas pelo chão e meu diário todo rasurado, rasgado, escarrado. Era paradoxalmente um terror.

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