-O sapatãozinho ta de luto pela namoradinha. - outra vadia debochou fazendo biquinhos
-Aline não era lésbica. - gritei
-Claro! Já pagou morrendo. - falou a obesa maldita
-Como profere uma insensatez dessas?
-Não pretende fazer companhia à sua princesinha? - provocou Cássia cerrando os punhos e me encurralando contra a parede do bloco I, do Ensino Fundamental
-Eram sim. Eram sim. Sua sapatona imunda. Uma já pagou indo para o inferno, mas você vai viver o inferno em vida, sua nojenta desgraçada. – fui empurrada com grosseria no gramado recebendo chutes vindos de todas as direções
-Para! Eu não mereço apanhar assim! Eu não fiz nada!
-Merecia morrer, sua sapatona. – berrou a bajuladora mor de Cássia
Levantei-me e abracei a árvore para poder suportar os dois últimos horários. As meninas poderiam me linchar a qualquer momento e eu percebia os olhares de repulsa que lançavam a minha direção.
Quando corri para me esconder na sala de aula encontrei o quadro negro totalmente pichado com palavrões e desenhos obscenos, todos me difamando. Nas paredes escritos ofensivos com esmalte vermelho: SAPATÃO! UMA MORREU, MAS A OUTRA FICOU! LÉSBICA IMUNDA!
-Dá pra respeitar a memória de minha melhor amiga? Você sabe muito bem que nem eu muito menos ela somos o que está falando aí sem provas.
-Faça o colégio acreditar... – instigou Cássia entrando na sala
Chorar a morte de minha melhor amiga fazia de mim homossexual?
Para cada fase, Cássia tinha um infame apelido para me alcunhar. Na 1ª série quando precisei usar óculos tornei-me a quatro-olhos. Depois do incidente do sumiço das canetinhas o qual ela furtou as minhas e reverteu a história a favorece-la, fui taxada de ladra.
Quando na 2ª série tive febre alta por conta de uma virose e vomitei em minha carteira, de ladra passei a vomitadeira. A partir a 3ª série até o final da 4ª era somente chamada de cabeçuda idiota por cada vez ser a melhor aluna da classe, o que incomodava Cássia que só conseguia ser aprovada pelo fato de sua mãe ser vizinha da tia mal comida, então denunciar os maus tratos à professora, além de sujar minha imagem, agravava a situação.
Ninguém respeitou meu luto. Nem mesmo a coordenação do colégio que acatou uma falsa denúncia de Cássia e me obrigou a pintar as paredes, custear a tinta usada e como se não bastasse, até minha própria mãe começou a me chamar de lésbica. Em um momento eu era piranha por namorar Adolfo e no outro, controversamente, era homossexual por lamentar a morte de minha amiga.
Se para muitos o ano 2000 é lembrado com alegria e esperança, para mim foi o fim de toda inocência. Demorei meses para conseguir pensar em Aline sem chorar. Quando conseguia, matava aula para visitar seu túmulo, deixar-lhe flores e conversar, contar-lhe como o colégio estava chato sem a presença dela.
Com livros grossos e rock’n roll tentava me consolar. Horácio era um roqueiro reprimido por mamãe. Ela odiava Rita Lee, Legião Urbana, Capital Inicial, Kid Abelha. Aliás, sei lá que tipo de música a atraia, pois tudo era motivo para discriminação. Ouvia os cds às escondidas porque após a morte de Aline nunca mais consegui colocar para tocar Spice Girls, BSB, Hanson e Sandy & Junior.
2001. 8ª série. Movimentação para formatura. No final de novembro passaríamos 7 dias hospedados em um Hotel Fazenda em SC. Como não possuía afinidade com ninguém, pouco me interessava confraternizar com os idiotas que verbalmente me massacravam diariamente.
Sempre que entrava um novo aluno na classe eu tentava arrastá-lo para andar comigo. No 2º dia a pessoa já estava de papo com Cássia e passava me odiar gratuitamente.
O rosa dos diários antigos deu lugar ao vermelho da rebeldia nas unhas, adesivos e batons. O preto era o silêncio. Revidar me esgotou. O rock passou a ser minha expressão, o notívago hino da solidão. Poetisa dos oprimidos, das linhas finais dos cadernos que eram os degraus para me libertar eternamente daquele inferno.
Apenas no final de 2004, caso mantivesse meu cronograma estudantil em dia, dali sairia, embora ainda faltasse um ano para me ver livre por lei das garras de Meire.
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