-ISSO NÃO TA ACONTECENDO. – ajoelhei-me ao chão e alguns adultos, me levantando, tentaram me amparar – ISSO NÃO ACONTECEU!É MENTIRA!
-É verdade, criança. Infelizmente Aline não está mais entre nós... – um tio de Aline que sabia de nossa amizade tentou me abraçar e eu fugi
-Ela só tinha 13 anos. Não podia ter morrido.
Cada vez que fitava o caixão, latejava a sensação de perda, vazio, saudade.
-Aline devia estar na escola comigo. Não aí. Não aí com os velhos. Aline não era velha, não estava doente e não podia ter morrido.
D. Nice poderia muito bem considerar meu desabafo como uma afronta a seus sentimentos, mas muito carinhosamente dirigiu-se até a mim e abraçou-me.
-Que bom que veio, minha criança. – beijou minha testa – Você sabe que era a melhor amiga de Aline, não sabe?
-Aline tinha outras.
-Você foi à única melhor amiga que Aline teve de verdade. Aline sempre a estimou muito a ponto de eu também considera-la filha, Tita.
Encaixando carinhosamente minha mão por entre sua pele calejada, conduziu-me até o caixão e eu ainda não aceitava a evidência. Virava a cabeça para quaisquer dos lados e ao redor eram pessoas abraçando-se, enxugando as lágrimas com os lenços e os tantos ramos de flores endereçados à capela. A família de Aline era realmente apreciada pelos conhecidos.
A única pessoa que realmente me abraçava no mundo morreu. Nossos segredos seriam trancados em uma silenciosa urna naquela tarde ensolarada. Aline adorava meditar olhando para o céu e me fazia entrar em seu embalo. Adolfo, típico moleque, assistia em silêncio aos sonhos verbalizados de nossa finada amiga.
-Tita, eu estava pensando... Vamos fazer nossa festa de 15 anos juntas?
-Mas eu só faço aniversário em novembro...
-Ué, eu posso aguentar até novembro e a gente celebra juntas, até porque seu aniversário de 15 anos vai cair em um domingo. Eu já imagino até como será nosso vestido. Adolfo, você vai ser o príncipe da Tita, né?
-Mas ainda falta muito tempo pra vocês fazerem 15 anos. – Adolfo se via obrigado a rir da situação
-Meu tio sempre diz que o quanto antes planejar, melhor.
-Eu quero um vestidinho rosa creme com forro e corselete. – avisei
-E eu quero um vestido azul igual ao da Cinderela no baile. Um dia, talvez... – ela se punha a dançar no gramado da escola – Um dia eu vou encontrar um príncipe bem lindo e vou viver uma história bem bonita de amor. Se eu não morar em um castelo, chego bem perto disso... O importante pra mim é ser amada porque minha mãe sempre diz a mim e ao meu irmão o quanto o amor faz de nós pessoas melhores. O amor verdadeiro, pelo menos... E a Cinderela passou o que passou, mas encontrou o verdadeiro amor. Eu acredito na força do bem, que no final de tudo há sempre uma esperança e Deus não abandona ninguém. No final o mal sempre vai pagar por tudo e quem é do bem vai conseguir ser feliz. – abraçando a árvore e brincando de se esconder – Pessoas como a Cássia só tem a nos ensinar.
-Ah sim... Ensinar a como dar um soco na vadia cínica... – ironizei
-Cássia nos ensina a exercitar a paciência. Eu não a amo e sei que ela também não me suporta, mas retrucar os xingamentos é me rebaixar ao nível dela, mostrar que ela tem poder para me fazer mal e isso é algo que eu nunca vou permitir, ainda que ela nos faça todo mal do mundo.
Por mais que Cássia tentasse rebaixá-la, aquele sorriso gaiato nunca se desfazia por motivo algum. Aline preferia sonhar a revidar ofensas.
O acidente aconteceu por volta as 20h00min do domingo na altura da Serra do Mar e tudo por culpa de um maldito motorista bêbado. 2º estágio do luto: encontrar um culpado, uma justificativa, ainda que nada mais pudesse trazer minha amiga de volta.
Sentei-me em um banco de madeira e um tio de Aline, um senhor alto, um pouco barrigudo e com feições de avô me ofereceu uma garrafinha de água mineral e um xineque com farofa de cuca em cima.
-Precisa comer, criança. Deve estar faminta.
-Não obrigada, senhor. Não estou com fome.
-Aceite, por favor. Nice está preocupada. Não deve ter nem mesmo almoçado.
Se é que alguém que acabou de perder a melhor amiga conseguiria sentir fome.
Marianas Franco e Oliveira mesmo já não falando com Aline havia mais de ano compareceram ao funeral com suas respectivas mães e nós nos abraçamos, tivemos uma conversa superficial antes de as garotas passarem mal ao ver Aline no caixão.
Aline sentiu dor? Estaria dormindo para sempre? Para onde iria?
Em analogias imensas como a dor e o azul do céu, pus-me a imaginar como seria o paraíso, este muito mais feliz pela presença de Aline que poderia brincar com outras crianças, abraçar seu pai e conversar com Deus como ela tanto adorava. Ela era outro lindo anjo que viveu 13 anos iluminando a vida de todos aqueles que conhecia. Levava uma importante parte de mim, mas jamais seria esquecida.
Eu pretendia permanecer com Aline até muito depois do cortejo, até porque Nice queria que eu passasse a noite com ela. Entretanto, mamãe surgiu pouco antes de o padre chegar para realizar a extrema-unção e sem um pingo de remorso e compostura, me surpreendeu com uma chuva de tapas, chocando aos presentes no funeral, consternados o bastante para precisar ver aquela desequilibrada desrespeitando o momento de dor daquela gente, sobretudo meu. Também perdi alguém que amava.
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