-Espera aí... Esse texto é meu... Fui eu quem escreveu isso! – protestei erguendo a mão direita enquanto Naná lia minhas palavras
-Cadela! – retrucou Cássia se levantando da cadeira
-Olhe os modos, Cássia. – Naná interveio
-Viu só, professora? Essa invejosa aí ta querendo dizer que fez o meu texto...
-Isso é mentira!
-Você nem gosta de estudar, muito menos de escrever. Como isso?
Com os olhos de víbora e a voz cantada, manipulava até a velha Naná que parecia não ter se recordado da nossa conversa na semana anterior.
-Professora... – cheguei até o quadro-negro aos prantos – Eu conversei com a senhora na semana passada, te mostrei esse mesmo texto e eu o corrigi a seu gosto. Não está lembrada?
-Não. – balançou a cabeça negativamente
-Lembra? Eu ainda fui lá e...
-VÁ SENTAR SE NÃO QUISER SER TIRADA PARA FORA. – para Cássia – Seu texto ficou realmente decente e você tem boas chances de concorrer nacionalmente. É muito raro um aluno de 7ª série saber encaixar as palavras de forma perfeita, sem erros de ortografia e concordância. 1 ponto a mais na média em todas as matérias.
Saí desesperada, ainda tentando acreditar que tudo aquilo não passava de um pesadelo do qual despertaria, em meu leito estaria e ao retornar ao colégio, poderia perder para qualquer outra pessoa, exceto Cássia.
Adolfo e Aline, indignados, tentaram me consolar.
-Devia saber que essa vadia entrou na sala dos professores, roubou o texto, o copiou e colocou o nome, sumindo com o seu. – Adolfo e suas teorias de conspiração
-Claro que foi isso, mas como desmascara-la? Seus crimes sempre saem tão perfeitos. Se fosse eu, a essa altura, já teria sido expulsa da escola, mas um dia, ah... Um dia eu vou me vingar. - desabafei
-Que foi ela eu não tenha dúvidas, mas sem provas ainda podemos nos meter em mais encrencas, galera e o que aconteceu no ano passado já bastou. – Aline encerrou o assunto
-Queria ver se deixaria tão barato se isso acontecesse com você.
-Não se lembra da Lei de Ação e Reação? Aqui se faz, aqui se paga. – Adolfo mencionava a Física para me acalmar
-Acontece que desde a 1ª série, ela só faz o mal e nunca é punida. Será que a reação vem pra quem sofre?
-Um dia ela paga. – Aline concordou com Adolfo – Tudo que você faz sempre tem volta, então o bom mesmo é nunca revidar e continuar fazendo o bem, se controlando pra não desejar o mal, mesmo que às vezes dê vontade de voar na jugular dela e fazer justiça com as próprias mãos. Descarregamos a raiva, levamos memorando e ainda por cima sujamos a moral, nos rebaixamos ao nível dela e terminamos de castigo. Cássia não se importa com nossa dor e nos ver assim com essas caras de derrota é tudo que ela quer, por isso mesmo que estejamos humilhados, precisamos continuar de pé para ela ver que não tem domínio sobre nós. Cansada, um dia ela vai parar com isso.
-Não garanto isso...
Só trabalhamos no projeto pelo fato de valer presença e pontos em todas as disciplinas, mas foi bastante chato ver os adultos bajulando a piranha da Cássia e a batizando como a escritora do colégio, a incentivando a publicar livros enquanto eu, que realmente batalhei, ainda levei o infame apelido de invejosa.
Ao menos sabia que Aline e Adolfo não se contaminavam com os ventos de podridão que naqueles corredores sopravam. Eles estando incondicionalmente ao meu lado, nada mais me importava.
Naquela manhã de quarta-feira, véspera de feriado, a instituição estava em festa, iniciando-se a solenidade com o canto do Hino Nacional, discurso de diretora e mestres e por fim com os melhores textos sendo lidos por seus respectivos autores. Cássia foi veemente aplaudida utilizando-se das minhas palavras para tornar-se mais popular ainda.
As músicas continuavam legais, os jovens dançavam, porém, as provocações não me permitiam ser eu mesma por ali. Se eu ia dançar com Aline, dois amigos de Cássia já começavam a nos imitar. Se eu me irritava, eles reproduziam meu comportamento exagerando nas expressões faciais até eu chorar.
Ao entrar na fila para comprar cachorro quente e refrigerante, se os valentões não me davam rasteira para roubar o dinheiro, Cássia e suas amigas começavam a me chamar de baleia em coro até eu, por fim, desistir de lanchar. Qualquer um em meu lugar veneraria os fins de semana.
Naquele dia os sinais não tocaram, então perdemos completamente a noção do tempo. Adolfo e eu, de mãos dadas, nos afastamos dos outros alunos e fomos nos beijar sentados atrás da caixa d’água do colégio, onde outros casais costumavam sem encontrar durante os intervalos para não serem flagrados pelos inspetores. Certamente preferia que tivesse sido a Tia Terezinha a nos flagrar.
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