Meire, me empurrando para perto de si, chutava-me com o joelho e Adolfo, aflito, puxou-me de volta para perto dele, a fim de me proteger dos tantos golpes.
-Dá pra senhora parar?
Chorando, quanto mais eu corria e tentava me esconder, mais e mais Meire me agredia e proferia palavrões horríveis em voz alta, diminuindo totalmente meu valor a quem quer que fosse.
-Do- Dona Me-Meire... faz isso não... – Adolfo me abraçou
-Não a defenda que será pior.
-O que está fazendo aqui, mãe?
-São 11:52. Deveria estar no carro às 11:50.
-Está alardeando só porque atrasei dois minutos?
Levei mais uma forte bofetada e fui arrastada pelos cabelos até os portões.
-Olha só a vergonha que você está me fazendo passar, sua infeliz. Com a raiva que to, poderia te matar até...
-Para com isso, mãe. Ta doendo e ta todo mundo olhando.
-É bom que vejam com que tipo de piranha convivem.
Adolfo tentou me seguir, mas Meire o esbofeteou também. Aline, que estava dançando, saiu correndo para ver o que estava acontecendo e desatou em lágrimas.
-Chegue perto da minha filha mais uma vez e eu te arrebento a cara, gordinho sem vergonha.
-Por favor, dona Meire. Não fala assim com eles. – Aline, de joelhos na calçada, implorava
-Ainda está aqui, favelada?
-Não me chama assim, dona Meire. Eu não tenho culpa de ser pobre.
-É você que fica colocando essas abobrinhas na cabeça da Renata, não é mesmo?
-Para com isso, mãe. Pelo amor de Deus! – gritei na esperança de que algum adulto honesto e sensato pudesse acalmar minha mãe
-Ta engordando de tanto andar com essa bolota aí e agindo igualzinha a essa putinha desgraçada que fica com qualquer um.
-Isso não é verdade, dona Meire. Não seja grossa com o Adolfo porque ele não te fez nada. Tita e Adolfo se amam...
-Amor aos 12 anos? – debochou como se tivesse procuração de Deus para julgar quem quer que fosse
-O amor não escolhe local nem idade, mãe. Acontece com todo mundo.
-Se quiser namorar, vai ter de passar por cima do meu cadáver, sua prostituta imunda. Namorando com um gordo, ainda por cima. Depois não quer ser azucrinada pelas colegas. Por que você não é normal como elas? – referia-se a Cássia e seu grupinho
-Não me importo que goste de mim, sua velha mal amada. A mim não dou a mínima se não for com a minha cara, mas olha, sua cadela filha da puta, não vou suportar que continue fazendo a vida de Tita um inferno. A mim você pode pisar, tripudiar, machucar, mas se colocar os dedos em Tita mais uma vez, Aline está de prova: eu te denuncio ao Conselho Tutelar. – Adolfo ergueu a voz e peitou Meire
-Nem teu padrasto te suporta, moleque. – riu satanicamente nos arrostando como se não passássemos de duas aberrações - Pensa que é fácil denunciar?
-E eu denuncio.
-Denuncia, Adolfo. – o abracei e Aline também nos confortou – Eu não aguento mais apanhar dessa mulher. Desde que me entendo por gente é só porrada, porrada, porrada. Não aguento mais.
-Você é um monstro. Eu bem que deveria manda-la para casa de seu pai, mas nem mesmo ele te quer. Sabe por que? Porque ele não suporta você.
-Isso é abuso, dona Meire. Tita não merece isso. Se o Conselho Tutelar ouvir isso, tiram a guarda de Tita da senhora. Quer isso? – Aline ainda tentava encontrar alguma benevolência no opressor discurso de Meire
-Acha que eles vão acreditar em devaneios de uma criança? Nem perca seu tempo.
A escola inteira estava assistindo ao barraco. Mais um fio solto para Cássia utilizar contra mim e ferrar mais ainda com minha péssima reputação na instituição. A seriedade com que seu olhar fitava a discussão, eu já poderia prever uma segunda-feira barra pesada. E realmente foi não só pelo fato de ouvir todos caçoando da surra em público, mas das lágrimas minhas, de Aline e Adolfo, este sem paradeiro.
Quando voltei para casa, logo após a discussão, ao invés da tradicional chicotada debaixo do chuveiro quente, mamãe estava obstinada a destruir todas as minhas lembranças. Meus diários e cartas estavam espalhados pelo quarto.
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