No intervalo. Entre balas de menta e pipoca. Um beijo tímido e uma vela, nesse caso, Aline, vigiando para os inspetores não nos flagrarem ou ambos seríamos suspensos novamente.
-Eu aceito ser sua namorada.
-Ta falando sério, Tita? – os olhos de Adolfo também sorriram
-To sim, mas existe um pequeno problema. – ele encaixou suas mãos por entre as minhas
-Não vou te enganar, Tita. Qual é?
-Minha mãe.
-Ela não vai saber.
-Ela descobre.
-Da nossa boca ela não fica sabendo de nada. – Aline avisou
-Então a gente vai ter que namorar só aqui no colégio. Eu sei que é ruim porque é mais arriscado ainda, mas no momento é a única opção. – implorei
-Eu não me importo em namorar só aqui no colégio, desde que eu não te prejudique.
-Você e Aline eu sei que não, mas você sabe... Cássia, inspetores, mamãe.
-Cássia já faz sexo anal com o namorado. Nós não fazemos nada de errado para termos de viver escondidos.
-Quem me dera poder concordar. Cássia manda aqui.
-Mas eu não deixo de ser feliz nem mais um minuto por causa dela. Ela que se dane. Ela e merda no meu conceito são a mesma coisa. – gesticulou – To nem aí pro que ela faz ou deixa de fazer. Ela não presta e não tem moral pra falar da gente. Eu gosto muito de você, quero ser seu namorado, te fazer feliz, cuidar de você, te proteger e não estou nem aí com o que falam ou deixam de falar. O problema é dos outros. É entre eles e a consciência deles. O que a gente não pode fazer é se anular por causa deles porque o que eles querem é nos ver derrotados, tristes, com medo... Ta me entendendo, Tita?
-Sabe que você tem razão.
-Então o que me diz?
-Vamos namorar, mas sem deixar os adultos saberem.
No início do namoro, apesar de Adolfo me comprar lanche, inclusive doces, eu nem sequer comia. As borboletas no estômago me tiravam o apetite. Mamãe reclamava absurdamente, não entrava em um consenso. Se eu me alimentava demais, corria o risco de engordar. Se o fazia de menos, adoeceria.
Algumas cintadas até encontrar o equilíbrio. A distribuição de poder era desigual e Adolfo me compreendia porque Sérgio, seu padrasto, era uma versão masculina de Meire das Neves. Ambos sofríamos abusos: eu físico e ele emocional. Sofríamos juntos. Ele, por sua vez, tentava fingir que estava tudo sob controle e eu me revoltava, piorando mais a situação.
-O desgraçado reclama que eu só uso o telefone, mas a Miriam faz o mesmo e ele não fala nada.
-A Miriam é filha dele, né? – perguntei abraçada a ele sentada no gramado do colégio
-É... Mas ela é gente boa. O problema é o Sérgio.
-Ele já bateu em você?
-Quando eu era mais novo sim, mas agora que eu cresci, ele me bate com palavras. Minha mãe acha que é a bebida e sempre tenta justificar tudo para continuarmos de bem, só que eu não aguento mais isso, Tita. Eu não vejo a hora de fazer 16 e me mandar de lá.
-Eu preferia fugir antes.
A irmã mais nova de Adolfo sabia do namorico e resolveu nos ajudar para podermos conversar, então ela telefonava se passando por Miriam só para a vaca da minha mãe não embaçar.
Quando queríamos nos ver nos fins de semana, precisávamos planejar tudo de modo com que mamãe de nada desconfiasse. Aos pais de Adolfo continuávamos apenas amigos e Sérgio ao menos comigo e Aline era gentil. Adolfo era sua pedra no sapato.
-Cadê os meninos, Adolfo? – Sérgio falava em tom de provocação
-Não vieram. – Adolfo já estava irritado
-Às vezes acho que Adolfo é uma marica. Só anda com meninas. – caçoou
-É porque o senhor não estuda lá na nossa sala. Ninguém gosta da gente. – educadamente me intrometi
-Adolfo diz isso. – Sonia concordou
-Adolfo é um pouco esquisito.
-Eu não acho. Adolfo é o único menino da sala que se salva. – Aline saiu na defesa do amigo
-Se salva porque é uma menininha enrustida.
-Dá pra parar, Sérgio? – Sonia, pela primeira vez, falou alto
Naquela tarde de sábado enquanto nós jogávamos Super Nintendo, precisei ir ao banheiro e como o do andar de cima estava ocupado, desci até o lavabo e percebi que Sérgio estava na cozinha. Vagarosamente abriu a geladeira, bebericou cachaça em um copinho e eu me escondi, afinal, se ele me visse, a encrenca sobraria para Adolfo e eu não queria prejudicar meu namorado.
-Eu na idade dele não era um gordinho que fica enfornado no quarto em frente a um maldito videogame. Eu tinha VIDA. – Sérgio queria fazer Adolfo chorar
-Tinha, né? Tinha porque não tem mais.
-Ta querendo se aparecer pras menininhas, não? – Sérgio tinha o mesmo olhar debochado de minha mãe
-Se situa, seu merda. – Adolfo bateu o copo com força na mesa – Você não é meu pai e não vai falar assim comigo, seu filho da puta. Só te aturo por causa da minha mãe porque se dependesse da minha vontade eu não ficava nem mais um minuto nessa merda de casa dividindo teto com um bêbado desgraçado que nem você.
-Quero ver se tem coragem de repetir... – Sérgio se levantou da mesa
-Tenho. – Adolfo levantou-se também
O ar da sala de jantar estava rarefeito e o recinto pequeno demais para a confusão que ali se instalara.
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