A guria que me odiou o primário inteiro descobria que eu podia ser uma pessoa legal e me chamava para sentar no grupinho dela, ambição que não tive nem mesmo no primário quando todas as meninas se sentavam com suas lancheiras na escada e falavam em códigos, me isolando sempre como se eu fosse um nada.
-Não pensa que essas mentiras todas podem ser descobertas? – pressionava Adolfo com seu excesso de realidade
-Ninguém vai descobrir.
-Torça pra que seja mesmo assim porque senão o que era ruim ficará pior ainda.
-Se encrencou muito?
-Meu padrasto é cão que ladra e não morde.
Evidentemente, Adolfo jamais demonstraria fraqueza diante de uma garota, mas estava com olheiras. Quando ergueu um pouquinho o braço para coçar a sobrancelha, percebi uns cortes fininhos nos pulsos. Achei aquilo meio estranho e preferi não fazer nenhum comentário. Prolonguei a conversa caminhando com ele em volta da quadra.
-Você se encrencou muito? – perguntou com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta
-Não tanto quanto pensei. – respondi caminhando cabisbaixa
-Não ta com raiva de mim, né? – perguntou informalmente até pensando que iria ouvir uma respostinha atravessada
-Nem teria por que. – admiti sem muito pensar
-Eu sei que você vai virar amiguinha da Cássia e ser como ela.
-Não vou, Adolfo. Não é da minha índole zoar os outros.
-A popularidade vai te mudar.
-Não vai.
-Tita, para de ser infantil.
-O que você quer que eu seja? – debochei
-Você sempre quis ser amiga dela e vai querer impressioná-la. É natural que seja assim, mas só acho, não precisa aceitar isso se não quiser, que você não precisa andar com a Cássia pra se sentir especial.
-Eu sei que não sou lá grande coisa. Sei que sou uma esquisita e essa pode ser a melhor oportunidade da minha vida. Entende isso?
-Você sabe que é legal.
-Só você pra achar.
-A Aline também acha.
-Você é legal e eu me sinto uma idiota por dizer isso.
-Tente não agir como uma. – estendeu a mãozinha – Amigos?
-Amigos. – nos abraçamos e então Cássia cortou nosso barato
-Tira as mãos dela, gordinho idiota. – pegou em minha mão e caminhou comigo para me afastar de Adolfo – O que eu te disse, Tita? Ele é um otário.
-Não é não, Cássia. Dá uma chance a ele.
-Não é por nada, mas acho que você gosta dele.
-Eu não.
Adolfo era mais homem que qualquer garoto daquela classe. Ele me irritava às vezes, mas em outros momentos meu coração espremia ao vê-lo lanchar sozinho sem poder interagir com os outros meninos sem ser chamado de bola, viadinho, gordinho idiota, enfim, todos os ofensivos apelidos que uma pessoa com sobrepeso enfrenta.
Por que tanta crueldade? Nunca entendi o motivo de tanta aversão a Adolfo. Ele era legal de verdade e por mais que se mostrasse estável, intrinsecamente chorava.
Qualquer um que o observasse com mais atenção sabia que a comida era sua válvula de escape. Nada como o sabor das lágrimas.
Aos 11 é muito complicado tentar explicar o que só mesmo os anos e as cicatrizes sabem ensinar. A pré-aborrescente queria a amizade de quem não valia um cumprimento e o pior é que sempre assim, seja na minha escola ou não. Todos queremos impressionar idiotas e terminamos como eles.
Estar no grupo de Cássia atenuou um dos problemas e até a relação com mamãe estabilizou-se por algum tempo.
-To gostando de ver que está concordando comigo.
-Até que o colégio não é tão ruim assim.
-E a menina parou de te atentar?
-Somos amigas agora. – respondi sorrindo de orgulho
-Lembra que eu te disse que com uma conversa tudo se resolvia?
Deveria, sobretudo, me lembrar de que nada disso seria possível sem Aline.
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