-É verdade, mãe? – até saltitei e abracei sua cintura, sendo instantaneamente repelida
-Nem sonhe com isso. – minha mãe deu um tapa na minha direção
-E aquilo que você disse lá dentro?
-Não me diga que você acreditou? – ironicamente sorriu – Acreditou, não foi?
-E seria errado acreditar?
-Você só sai de lá quando eu quiser e nesse momento eu considero que isso é melhor pra você.
-Mas eu não sou feliz lá.
-Trate de ser.
-Já tentei, mãe. Me deixa voltar, por favor.
-Criança não tem querer. Eu dito as ordens e você tem que obedecer.
-Aquilo que Aline falou é verdade.
-O que a favelada burra fala eu não acredito.
-Não fala assim da Aline.
-Eu falo como eu quiser de quem eu quiser.
Puxando meu braço com violência, ergueu o banco do passageiro e me chutou com força lá dentro como se eu fosse um bandido entrando em um camburão. Recomposta e ainda com a cabeça latejando, tentei negociar.
-Por que mentiu? – desabei
-Não dirija a palavra comigo senão eu vou perder o pouco de paciência que me restou.
-Só quero saber por que mentiu? O que ganhou com isso?
E eu não preciso nem detalhar o terror daquela noite. O subentendido já basta. Creio.
Na segunda-feira, ao chegar a minha sala, encontrei Aline alegremente conversando com Cássia e achei estranho a megerinha me chamar pelo nome:
-Oi Tita! Pensei que tivesse saído do colégio.
-Falou comigo? – olhei para os cantos
-Senta com a gente hoje. – passou a mão em uma carteira
Realmente precisava sentar. Alerta máximo. Certeira bomba. Aline estava sorrindo, Cássia também e eu não assimilava perfeitamente nada do que ouvia. A visão estava turva e controlar a tontura era uma constante. 1ª rodada.
– Não sabia dessas coisas sobre você...
-Que coisas? – pensei, sem verbalizar
Aline deveria ser escritora. Ela criou um mito a meu respeito a ponto de Cássia sentir-se ofuscada e tentar me bajular. 2ª rodada.
-Não sabia que já tinha ido à Disney.
-Bem, eu fui no ano passado. – embromei para não prejudicar Aline
-E ela foi mesmo. Vai de novo quando completar 15 e a mãe dela disse que nós vamos juntas, até o Adolfo. – Aline assegurou com uma invejável convicção
-Eca, não fala com ele não.
-Por quê? – perguntei, ofendida
-Adolfo é um fracassado. Andar com ele queima filme, sem contar que ele é gordo, cdf, chato... Aff, um mala. Sem comentários, né? – ela e as amiguinhas riram
Eu podia sim pensar certas coisas acerca de Adolfo, mas não podia permitir que Cássia o humilhasse daquela forma.
-Adolfo é legal.
-Então você gosta dele.
-Tita já tem namorado.
Aline estava indo longe demais com tantas mentiras.
-Nossa, nem parece. Sempre te achei tão desajeitadinha, bobinha. Não me leve a mal.
-Sou discreta. Nada no colégio. Não confundo as coisas.
Inventar era errado, mas foi rendoso. Aline que o diga: conquistou o quartel das patricinhas e me arrastou junto com ela. Os papos eram chatos, meio narcisistas, no entanto, era bem melhor que ser chacoteada a aula toda.
Adolfo, isolado no seu lugar de sempre, continuava levando sua vida infernal. Ele me culpava pela fuga frustrada e eu o detestava por ser um sequelado. Estávamos empatados.
Na aula de Ed. Física, enquanto Cássia e suas amigas ficavam com os meninos na moita, Adolfo me puxou pelo braço.
-Virou a casaca, Tita?
-Do que você ta falando?
-Sempre detestou a Cássia e agora ta de papinho com ela.
-Coisas da Aline. – disfarcei
Era estranho detestar a Cássia e ao mesmo tempo pensar que justamente após a fuga, enfim a paz retornaria. De forma sinistra e nem por isso inválida. Eu estava feliz. Pensando bem, até que o colégio era legal.
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