-Ela ferrou com tudo. – Adolfo cochichou
-Você ferrou. A Aline não devia saber.
-Vai me culpar agora?
-Acho que sim! – reforcei meu tom de voz
Encontrar um culpado não reverteria o fracasso. Planejamentos à parte, tudo foi por água abaixo e maior que a vergonha de voltar ao colégio desmoralizados era ver nossos pais, visivelmente constrangidos, nos encarando no sofá da casa de uma estranha. Nada fazia sentido a eles, muito menos a nós.
-Pode me explicar o que significa isso, Tita? – mamãe arrostava Aline e Adolfo
-Que vexame, Adolfo. – o padrasto mal conseguia olhar para o enteado
A tia de Aline, em sua simplicidade, preparou um café para ter uma conversa séria com ambos os pais, explorando nosso ponto de vista porque ao que entendeu, estávamos sendo ignorados.
-Nossa família é perfeita. Tita certamente foi induzida por esse menino Adolfo a fugir. – Meire bradava uma falsa bondade
-Eu fugi porque quis.
-Porque anda com essas más companhias...
-Viu só, Adolfo? Viu só a saia-justa que você nos colocou?
O padrasto de Adolfo estava furioso, mas Sonia, mãe, acalmava a fúria do homem:
-Adolfo está entrando na adolescência. Ele e Sérgio têm suas desavenças, mas são coisas de momento. Sérgio ama muito o Adolfinho.
Adolfo e eu nos sentimos pequenos diante daqueles adultos querendo falar por nós. Fomos cruelmente derrotados.
-Pelo que me relataram, Tita e Adolfo não estão gostando da escola. – a tia de Aline se intrometeu na conversa
-A Cássia faz todo mundo zoar muito a Tita. Chega a dar vontade de chorar. – Aline tentou me ajudar
-Tita inventa coisas. Ela ta querendo voltar pro pombal onde ela estudava o ano passado e eu sou tida como uma péssima mãe só por querer proteger minha filha? Isso é um absurdo! – me puxou pelo braço – Vamos já pra casa, Tita.
-NÃO VOU!
-Querendo arregaçar as manguinhas na frente dos outros?
-Eu não volto pra casa. Não quero apanhar.
-E desde quando eu te bato, Tita? Ficou louca? Falando desse jeito podem até pensar que eu sou uma dessas mães que espancam os filhos por nada. – risada nervosa – Tita deveria ser escritora. Inventa cada história.
Fui para perto de Aline.
-Eu quero ficar!
-Tita, não me obrigue a deixa-la de castigo.
-Castigo é viver sob o mesmo teto que você.
Sonia e Sérgio levaram Adolfo embora. Temi por ele.
-Dona Meire, não quer deixar a menina dormir aqui pra se acalmar? – a tia de Aline estava angustiada
-Não. Tita tem casa e é pra lá que ela vai.
-Mas eu não quero ir com você. Eu quero ficar aqui.
-Tita, não crie caso na frente dos estranhos. – puxou meu braço me levando em direção a porta
-Aline não é uma estranha! É minha amiga. – recuei
-Minha filha, eu sei que você ta sofrendo com essa mudança de escola, mas é assim mesmo até se acostumar. Tenta dialogar com essa coleguinha, pede pra ela parar de te importunar. Duvido que ela não vá te ouvir.
-Tia, isso a Tita já tentou. – Aline, aquariana zen, tentou fazer minha mãe enxergar meu lado pelo menos uma vez
-Tenta de novo.
-Ela já cansou de tentar.
-Se as coisas piorarem muito até o meio do ano, você volta pra antiga escola.
-Sério? – lágrimas voltaram a escorrer – Verdade?
-Verdade, filha. – me abraçou
-Se a Tita voltar, eu volto também. – Aline festejou
-Viu só, Tita?To prometendo na frente da sua amiguinha, caso ainda duvide. Que eu morra, se não cumprir isso.
Ela sabia meu ponto fraco e novamente me venceu por nocaute ou algo superior a isso, se no caso existisse. Se meu pai não tivesse pisado na bola comigo, eu não estaria passando por nenhum embaraço, muito menos teria me obrigado a fugir de casa com aquele gordinho desastrado que ferrou completamente com meus planos.
Da porta para fora, o discurso mudou.

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