Adolfo procurou por um endereço que anotou em um jornal.
-Era mais ou menos por aqui...
-Você é amigo de traficantes?
-Na favela não tem só traficante, idiota.
-Não falta com o respeito comigo e me diz: o que estamos fazendo aqui... Não acredito que andei metade da cidade pra parar nesse fim de mundo e você, que se diz tão andarilho, mal sabe pra onde ta se metendo.
-Sei sim. Só preciso que me procure um número.
-Se fosse seu amigo, você saberia.
-E sei...
-Por que não liga?
-To sem ficha.
-Eu tenho uma. – até a tirei do bolso da calça – Liga aí...
Estávamos caminhando perto de um bar aberto e cheio de homens sem camisa jogando sinuca, crianças brincando e mulheres dançando música country, febre naquele ano.
-Não vai ligar? – pressionei – O orelhão é logo ali. – apontei para o orelhão localizado a poucos metros do referido bar
Adolfo, um pouco nervoso, enfim desabafou.
-Não tenho amigo nenhum. Nunca pisei aqui antes. – admitiu com raiva
-Sabia que você era um idiota. – provoquei, mais injuriada ainda
-Sou não. Se pensa assim, volta pra casa. – retrucou
-Bem capaz.
-Então fica quieta e me obedece.
-Como é que é?
-Me obedece ou vai embora.
-Obedecer a almôndega? Bem capaz...
Adolfo me surpreendeu com uma rasteira e nós brigamos rolando na calçada de barro, até que me rendi.
-Ta, ta... Me larga, idiota... – me levantei e chutei o traseiro dele – E me bate de novo pra ver...
-Isso doeu, ta?
-Se me faltar com o respeito, faço doer o dobro.
-Onde eu estava com a cabeça pra convidar você?
-Me descarta e eu ligo pro seu padrasto agora mesmo contando tudo.
Que cínica!
Fazendo isso eu estaria, sobretudo, me prejudicando. Adolfo era otário e um mal necessário. Sem ele a fuga jamais seria viável.
-Me ajuda a procurar, pelo menos.
Número 111. Que sufoco para achar. Era um pensionato. 20 reais por mês. Pelas contas de Adolfo, craque com números, poderíamos pagar 2 meses de estadia e se trabalhássemos vendendo doces no farol, conseguiríamos 5 reais por semana, em média e poderíamos viver bem.
-Não vamos mais estudar?
-Quer ser descoberta, né?
-Só fiz uma pergunta. Não precisava ser grosso.
Adolfo deu uma batidinha de leve na porta do barraco e quem atendeu foi um sujeito magricelo de uns 20 e poucos anos, pardo, sem camisa, fedendo a suor, com os dentes podres, cabelo com o corte a fazer. Aparentemente feio. Ao nos ver, debochou.
-O que querem aqui?
-Viemos negociar para morar aqui. Não é o número 111?
-Cê ta brincando, né, fedelho? Dá o fora agora.
-Vi o anúncio no jornal e me interessei. Tenho dinheiro pra 2 meses.
Não gostei muito do olhar daquele cara. Parecia um daqueles bandidos pervertidos que sempre apareciam nos noticiários.
-Mas nem que tivesse pra 1 ano. Vá embora com sua namoradinha se não quiser que eu chame a polícia...
-Não podemos voltar pra casa. – insisti quase chorando
-Mas aqui também não vão ficar. Vão embora daqui antes que me criem problemas.
Desiludidos, apanhamos mais um passe e resolvemos pedir ajuda a Aline, nossa única conhecida de confiança naquele momento.
-Vocês sabem que eu não concordo com isso, mas já que são meus amigos, jamais os deixaria na mão.
A tia de Aline era gentil e simpática, assim como D. Nice e acreditava que o diálogo tudo solucionava, por isso acabou caindo na burrice de telefonar aos nossos pais e anunciar nosso sumiço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário