8 de fevereiro de 2012

Simplesmente Tita - Cap 21 - Fugitivos...


-E aí, filha? Viu como o colégio é maravilhoso?

Demonstrei descontentamento e não me deixei manipular pela voz adocicada de mamãe. Eu não era um cachorrinho que iria esquecer tão facilmente do modo como ela me tratava para conseguir tudo que queria.

-Hoje você me julga, mas um dia ainda vai me agradecer por isso.

Agradecer por ter ferrado com minha vida. Nem que eu fosse masoquista. Evidente que eu jamais seria.


Os dias eram chatos, deprimentes, cujos minutos de aula transformam-se em milênios e os pingos de chuva misturavam-se fielmente ao sal das lágrimas de quem não enxergava mais nenhum sinal do sol de verão que abençoou minha felicidade. Nenhum sorriso falso para me convencer a não fugir. Mamãe e eu não cabíamos mais dentro de um mesmo recinto.

Desconhecendo qualquer tipo de liberdade, escrevia em um diário secreto onde podia xingar minha mãe de vaca, filha da puta, cadela e ela jamais poderia ler, até porque escondia minhas relíquias em um fundo falso do guarda-roupa o qual ela desconhecia. Só assim para poder ter lembranças.

Aline cedo ou tarde acabaria encontrando afinidades com Cássia e me chutaria. Eu não queria passar o resto dos anos letivos conversando com um gordinho chato e problemático como Adolfo. De sequelada já bastava eu e olha lá.

Ao contrário do ano anterior, quando até a tristeza tinha influências da alegria, nada parecia fazer o mínimo sentido. As conversas eram superficiais e inevitáveis as comparações.

No feriado, Aline me convidou para viajar com ela. Mamãe não deixou sob hipótese alguma, mesmo com minhas lágrimas.

-Já não basta ter de estudar naquele inferno sem direito a nada, agora presa aqui o feriado todo?

-Se não estiver satisfeita, pode procurar seu paizinho.

O deboche me matava. Dizia isso porque sabia que eu não faria nada.

Aline voltou feliz: estava namorando com Guto, um menino que conheceu em Matinhos durante o carnaval. Até carta Guto mandou. Menino gentil. Adolfo e eu estávamos apáticos, depressivos.

-Como podem ficar tão tristes?

-Mora lá em casa que você vai saber. – Adolfo respondia sem medo

-Vocês ao menos moram com os pais. Eu moro longe da minha mãe agora, tenho de ser mãe do meu irmão e continuo feliz. Sabem por quê? Porque tudo é passageiro na vida. Hoje ta ruim, mas tudo passa, então vamos sorrir, por mais que essa escola seja uma bostinha. Ficar triste só piora tudo.

Aline tinha um pouco de razão no que dizia, porém Adolfo e eu, mesmo não sendo os melhores amigos do mundo, nos entendíamos de forma que Aline jamais poderia compreender, então mesmo sendo extremamente estranho, começamos a trocar cartinhas e combinar nossa fuga. Para onde íamos, não fazíamos ideia. Decidiríamos no momento. Iríamos para qualquer lugar onde pudéssemos ser felizes.

Em um mês de aula, só conversávamos com Aline e aguentávamos Cássia caçoando de nós 20 horas por semana, além dos professores antipáticos, teorias chatas e aquele prédio mal encarado o qual só minha mãe via qualquer tipo de beleza. Aliás, ninguém tinha tanto prazer em me fazer chorar como ela tinha.

Paramos de comprar lanche e Adolfo economizou o dinheiro do passe. Juntos nós já acumulávamos 50 reais. Combinamos de escapar em uma sexta-feira a qual teria uma palestra logo no 1º horário. Aline não era favorável.

-Vocês vão se encrencar fugindo de casa. Os adultos vão descobrir.

-Só se você contar. – retruquei

Mochilas arrumadas, coragem a todo vapor. O mundo que nos aguardasse.

-Ta pronta mesmo, Tita? – perguntou Adolfo, receoso em segurar minha mão para atravessar a rua

-To. Você ta?

-Sempre estive.

Apanhamos um ônibus alimentador que nos conduzisse ao outro lado da cidade. Compramos balas, chicletes e dadinhos. Adolfo conhecia a região e isso me deixou bem mais tranquila.

-Eu tenho uns amigos aqui que podem nos ajudar.

O gordinho esquisito era enturmado fora do colégio? Pelo menos isso...

-Você vem comigo, não vem?

Chegamos a uma rua estreita de barro cheia de barracos. Favelão era apelido

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