3 de fevereiro de 2012

Simplesmente Tita - Cap 18 - De volta às trevas...


-Tchau, meu amor. Eu volto amanhã para buscar suas coisas. – Helena e Felix se despediam de mim no carro

-Tchau. Te espero, pai.

-No horário que a gente marcou.

Entrei em casa. O áspero cumprimento de minha mãe parada em frente ao sofá de 3 lugares era evidente. Ela odiou tudo aquilo. Mais ainda meu retorno. Estava de volta a filha indesejável, o estorvo que ‘arruinou’ sua juventude.

-Aprontou muito por lá? – deboche completo


-Que loucura, mãe! É assim que me recebe? – indignação mais que justificável

-Queria que eu te esperasse com flores?

-Queria que pelo menos perguntasse se eu me diverti, se gostei da praia... – tive uma crise de choro – Mas me lembrei: você não é a Helena...

Fui para meu quarto, me atirei na cama abraçando com força meu travesseiro e sequer tive apetite para suportar minha mãe durante o jantar. Vivenciava a mesma sensação do último dia de aula. Voltar para casa, o inferno glacial sob o domínio do diabo de calça tactel e correia na mão, a experimentando como se aquilo fosse a coisa mais bonita do mundo. Aquela era minha vida.

Minhas utopias me mantiveram viva a infância toda, mas a dor chegaria ao fim na manhã seguinte quando Felix Linhares, o herói dos cabelos pretos e olhos esverdeados, com sua princesa ajudante Helena, me salvaria da opressão com o super Kadett 93, o mesmo carro em que fui feliz até os 8 anos. Em uma casa azul seria meu reino encantado, típico final de novela.

-Não sei por que tanto chora. Seu pai só foi gentil com você. – Meire cortava o barato dos meus sonhos com trilha sonora

-Isso não é verdade. Meu pai me ama e se quer saber, to indo morar com ele.

-Pode ir.

-Assim não preciso mais olhar na sua cara.

-É bom que não erga mais a voz comigo, sua mal educadinha. Foi só passar uns dias com aquela piranha da Helena que já voltou com as manguinhas de fora.

-Não fala assim da Helena. Ela é muito mais legal que você.

-Ah sim, aquela porca fofoqueira... Ah sim...

-É sim. Ela sim sabe ser mãe.

-Ah sim, até gorda voltou pra casa. Comeu um monte de porcaria que aquela vaca te forçou a comer. Parece mesmo que seu papaizinho te comprou com presentinhos, né?

-Ele é meu pai, ora. Ao menos ele demonstra amor por mim.

-Amor? – chorei muito – Amor sim, amor que você nunca me deu nem finge ter.

-Se quiser amor, se case.

-Aos 11 anos, certo. – minha ironia me custava uns tapas na cara, mas era vício – Graças a Deus esse tapa foi o último que você me deu porque amanhã meu pai vem me buscar, sabia? Sim, eu vou embora daqui e não volto nunca mais.

-Que assim seja, rainha do drama!

Minha mãe poderia me matar com apenas um olhar. Descarado satanismo. Bateu a porta do meu quarto com força e trancou-me por fora. Costumava fazer isso quando eu tinha meus 5 aninhos. Depois que eu urinava nas calças ela me batia o dobro.

Cheguei a sonhar que tinha 8 anos de idade e em um parque estava de mãos dadas com papai de um lado, Helena de outro. Estava tocando Vivo por ella – Sandy & Andrea Bocelli. Não me esqueço dessa música porque foi a telemensagem de meu pai em meu aniversário de 11 anos. Acordei sorrindo e fui ouvir a música para aprontar minhas malas e me livrar de Meire para sempre.

Mamãe estava particularmente bem humorada naquele dia, o que era estranho. Sentei-me no sofá para assistir televisão e aguardei meu pai por horas a fio. Ao fim do dia, quando já estava decidida a telefonar, já com o choro saindo, Meire, sorrindo, me avisou:

-Seu pai não vem mais te buscar...

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