Não me sobrou tempo nem artifícios para limpar o chão. Parecia uma vez em que ainda na 1ª série pedi para fazer xixi e a tia não deixou.
-Fica quieta e para de atrapalhar a aula. – resmungou a gordona grosseira
-É sério, tia. Me deixa ir. – ergui o dedinho indicador praticamente implorando –juro que não demoro.
Em vão. Molhei minha carteira, fui alvo de risada de todos os meus colegas, inclusive os que faziam cocô nas calças e, sem muita novidade, minha mãe me surrou até eu urinar de novo só por ter sido chamada na escola.
Minha vida era uma eterna roda-gigante e eu, de maneira extremamente injusta, estava sempre em baixo como um pedaço de nada a ser tripudiado até os limites suportáveis.
Repentinamente, quando já estava chorando de joelhos porque nem mesmo conseguia conter minha vergonha, Cássia abriu a porta com violência e compreendeu o recado.
-Nossa, o cachorrinho não pode ficar um minuto preso que já transforma o quarto em canil. Vai limpar isso aí...
-Por que me trancou?
-Porque eu quis. – sorriso debochado – Ninguém vai querer ver a baranga de biquíni. Mas vê se não vai cagar por aqui, ta?
-Por que tanta maldade? O que eu te fiz pra me tratar com tanto ódio?
-Só o fato de você já existir me enoja. Queria saber quem foi o filho da puta que deixou você dividir quarto comigo? – as amigas pararam atrás dela – Esse cheiro de urina está fazendo mal às minhas narinas. Deveria usar fralda, viu, sapatãozinho?
Para não me prejudicar mais, limpei o chão com rodo, pano e produtos de limpeza já disponíveis no banheiro e mal sequer consegui tomar banho antes do jantar porque Cássia e as meninas monopolizaram o chuveiro. Quando a última garota, secando os cabelos com a toalha, saiu e eu entrei, Cássia colocou o pé no vão da porta.
-Não vai entrar.
-Não ta vendo que eu preciso tomar banho.
-Vai ficar querendo, mijona.
-Sério, Cássia. Pode ser gentil comigo ao menos uma vez?
-Não vai sair assim pra jantar... – retrucou a tal Leka, mascando chiclete e me olhando com nojo
-Então, por isso mesmo preciso tomar banho.
Cássia trancou a porta do banheiro e gesticulando ordenou que as meninas saíssem. Quando ia fazer o mesmo, levei um forte empurrão.
-Não vai jantar assim.
-Então me deixa tomar banho. To com fome.
-Que se foda. – sacudiu os ombros - Fique aí. Daqui a pouco a gente volta, ok? – mandou um beijinho, acenou e me trancou por fora, rindo absurdamente alto
Não foi impressão minha. Eu ouvi a voz do professor de Biologia as questionando.
-Vocês não estavam em 5?
-A Tita ficou dormindo. Estava cansada.
Com sua retórica incrivelmente perfeita, Cássia embromou o docente e para se certificar de que eu não iria fugir, fechou a porta de vidro da varanda com uma cadeira para que eu não tivesse maneiras de sair.
Aquele dia eu mal almocei e estava verdadeiramente faminta. Era meu direito assegurado como individuo e estava sendo cruelmente violado. Estava esgotada. O trajeto até SC durou cerca de 4 horas e meia. Desejava dormir, contudo, como sentiria sono deitada em um chão gelado sem nem mesmo um lençol para me cobrir?
Aquele dia estava fazendo muito frio e chovia, o que acentuava a sensação térmica de um inverno fora de hora. Podia sim não ser uma pessoa perfeita, mas não merecia ser tratada com tanto descaso. Não as obrigava a me amar porque jamais aconteceria. Era muito exigir RESPEITO?
Havia tempos que não pensava em Aline. Não por tê-la esquecido e sim porque me lembrar da alegria que a vida me tirou só me enfraquecia mais. Recordei-me do quanto ela queria se formar na 8ª série. O sonho dela era poder se hospedar naquele hotel fazenda. Ela e eu dividiríamos o mesmo quarto e dançaríamos nas festinhas temáticas que seriam feitas ao longo das 6 noites.
Eu podia ouvir os riffs de Lady – Modjo tocando. A gritaria histérica das adolescentes presentes dava a entender que a noite estava muito legal. Para elas. Já passava das 23h00min e eu já não sentia nem forças para segurar a caneta. Desmaiei.
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