-Sonia e Sérgio não pensam assim. – Aline me contrariou
-Era um desejo antigo do Sérgio e da Sonia. Eles já queriam colocar Adolfo no colégio militar faz muito tempo.
-Ele foi pra lá?
-Já está estudando lá desde a Páscoa.
-E ninguém me avisou? – explodi de raiva
-Eu também não sabia. Adolfo, assim como você, também ta incomunicável. As coisas também não estão sendo fáceis pra ele. Eu sei que é difícil...
-Não sabe. – gritei
Descontei em Aline a ira que sentia por mamãe.
-Se soubesse, teria ajudado.
-Tita, mais vontade de ajudar do que eu tenho, impossível, mas eu não sou Deus. Só tenho 13 anos e pouco posso, mas do meu jeito tenho tentado pelo menos fazer com que você seja forte e saiba que não está sozinha.
-Estou sim. Você é uma traidora.
-EU?MAS POR QUÊ?
-Porque você sabia disso e escondeu de mim.
-Não escondi. Eu só soube disso ontem. Você acha que eu mentiria pra você?
-Você só mente o tempo todo, Aline. Você inventa historinhas pra pensarem que você é legal...
-Não fala besteira, Tita. Você ta chateada. – caminhamos até o banheiro feminino e juntas entramos - Por que não faz o seguinte? Vai ao banheiro, lava o rosto, respira fundo e quando você se sentir mais calma a gente conversa... Tudo bem?
Aline era transparente comigo e eu aprendi o mesmo com ela. Podíamos inventar anedotas aos outros para ninguém saber de nossas imperfeições. Naquele momento senti raiva dela por não ter me dito antes que Adolfo saiu do colégio. Senti-me enganada, traída e a culpei pelo que aconteceu.
Aline olhou-se no espelho, ajeitou o tic-tac do cabelo e saiu. Eu, por minha vez, molhei meu rosto com água gelada e mesmo assim não conseguia me tranquilizar. Não nos falamos naquele dia nem nos demais daquela semana abençoada por um feriado prolongado. Na quarta-feira, pouco antes de sair para viajar, Aline arrastou sua carteira para permanecer ao lado da minha.
-Amiga, ainda ta chateada comigo?
-Não. – bufei evitando olhar em seus olhos
-Ontem eu passei numa lojinha e comprei esse conjunto de canetas, mas na verdade só consegui pensar em você e no quanto você gosta delas. – tirou o conjunto de 12 cores da mochila e colocou na minha carteira – Aceita ou não gosta mais?
-Gosto. – indiferente – Obrigada.
Naquele dia teríamos duas aulas geminadas de geografia. Nossa apresentação para toda a classe estava marcada para a 2ª aula. Tormento. Ninguém prestava o mínimo de atenção em nós. Cássia fazia bolinhas barulhentas com o chiclete para perturbar, suas amigas e os meninos conversavam paralelamente e o professor, a todo instante, nos repreendia.
-Façam o favor de falar mais alto. Vocês estão desmotivando a classe. – insistia o professor
Caprichamos nos mapas, passamos dias pesquisando todo o conteúdo para tirar 10 e no fim das contas ainda fomos acusadas de plágio.
-Decerto pegaram tudo dessa tal de internet. Tiraram 5.
-COMO? – me revoltei
-Isso aqui é puro plágio, sua mentirosa. – o professor escreveu PLÁGIO e grifou com caneta vermelha na conclusão do trabalho
-Eu nem tenho computador em casa. – protestei
-Refaça isso até segunda-feira valendo 2 pontos.
-O QUE?
-Eu sou o professor aqui. Refaça esse trabalho se não quiser ficar sem nota.
Cássia, que já tinha computador em casa e realmente copiava da internet, tirou 9. Se sem pc minha mãe já me amolava o bastante, quanto mais com aquela máquina enorme na sala.
-O professor pensa que todo mundo é rico pra ter computador em casa. – concluiu Aline – Mas não estou triste... Vou viajar, ver mamãe e me desligar um pouco desse colégio chato. O que é da Cássia ta guardado.
Evitamos mencionar Adolfo. Eu já a tolerava, porém ainda a tratava com certa rispidez.
-Amiga...
-Fala... – resmunguei
-Você sentiria minha falta?
-Não estou entendendo.
-Você sente a minha falta?
-Que bobagem, Aline. Mas é claro!
-Não deixa uma bobeira estragar nossa amizade. – admitiu – Eu tenho outras amigas fora daqui, mas você é a melhor de todas pra mim. Você é a minha melhor amiga e eu rezo toda noite pra Deus e seus anjos cuidarem de você. Promete que se cuida nesse feriado?
-Eu vou ficar bem. – claro que era mentira
-Tchau, amiga. Fica com Deus! Na segunda a gente entrega esse trabalho e mostra a esse professor que nós não somos da corja de Cássia.
-Feito, amiga. Pode viajar tranquila que eu faço o trabalho.
-E eu te trago um presentinho.
-Me sinto mal por nunca poder te dar nada.
-Você e sua amizade já são um presente. – me abraçou ainda no intervalo e caminhou em direção ao portão
Passei o feriado inteiro refazendo o trabalho, adiantando deveres de casa e ali percebi que Aline realmente era minha melhor amiga. Outra pessoa teria me mandado pastar e se voltaria contra mim. Ela não. Ela não era como as outras. Ela tinha caráter, personalidade e amiga assim eu não encontraria nunca mais.
Cheguei minutos antes a sala dos professores para entregar pessoalmente minha pesquisa ao mestre e encontrei alguns discentes prostrados, Naná chorando e Cássia fazendo drama para comover os adultos.
-Não acredito que isso foi acontecer com a minha amiguinha. Aline não merecia isso.
Segurei-me ao vão da porta e vagarosamente coloquei os pés no recinto. Cada passo tinha mil toneladas. Pudera ser apenas um pesadelo.
-A mãe está em estado de choque. Era sua filha mais velha...
-Estão falando de Aline?
-Já soube? – Cássia poderia protagonizar a novela teen da tarde com sua atuação
-Saber do que?
-Aline faleceu nesse feriado.
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