Sem bug do milênio nem praia com papai. O verão foi em casa mesmo em frente ao televisor e quiçá conversando com Adolfo e Aline ao telefone. Para podermos namorar, Adolfo teve de se arriscar a escrever cartas e confiá-las a Aline que durante 2 meses foi nosso pombo-correio.
Ao longo das férias meu corpo de criança começou a sofrer leves transformações. Meus seios, antes inexistentes, estavam crescendo e meu peso aumentou. As primeiras espinhas começavam a aparecer e a menstruação irregular me atormentava todos os meses.
Cólicas, irritabilidade, ansiedade e saudade, muita saudade do meu namorado. Sei cantar Sandy & Junior até hoje de tanto ouvir Imortal, No fundo do coração, Inesquecível e Não Ter. Minha mãe não suportava nem mais ouvir a Sandy na frente.
-Até parece que ta apaixonada por alguém. Só ouve essas malditas músicas o dia todo.
Adolfo curtia as Spice Girls, sobretudo a Mel C, mas passava longe de BSB e Sandy & Junior. Era mais chegado em Raimundos, Rappa, CBJR, Silverchair (eu passei a curtir por causa dele que me gravou uma fita com as faixas do mais recente álbum), Pearl Jam, Nirvana e mesmo que mamãe implicasse, ouvia cada vez mais.
Naquele Natal nada de bonecas. Livros, canetas, maquiagens, roupas e calçados. Minhas meninas dos olhos foram transferidas para prateleiras no alto da parede e as brincadeiras tarde afora cederam espaço ao rádio ligado e as canções de amor, poesias incompletas e uma foto minha, de Adolfo e Aline na contracapa do diário.
Com as folhas remanescentes dos cadernos, comecei a escrever minhas primeiras historinhas oficiais, pois as de primário minha mãe, enquanto eu ia à aula, lia e jogava tudo no lixo afirmando que minhas palavras não tinham nexo.
Por mais que eu escondesse meu porta-arquivos por debaixo do colchão, ela sempre descobria e fazia questão de ler e tentar encontrar indiretas pelas entrelinhas.
-Pensa que escrever é encher a folha com asneiras?
-Mãe, por que está lendo meu diário? Isso é muito particular!
-Não me diga que quer privacidade?
-Quero, ora!
-Enquanto você morar aqui, tudo que entra e sai dessa casa sempre passará pelas minhas mãos. E o que tanto escreve? Fica aí gastando caneta falando mal de mim nesses diários idiotas, ingrata. Deus castiga quem conspira contra pai e mãe.
-Nem vai a igreja e quer falar de Deus.
-Ta me respondendo, é, menina mal educada? – bofetada no rosto e folhas rasgadas pelo chão - Eu digo quando você vai ser escritora: NUNCA. Pensa que o mundo é só ver tv, ouvir musiquinha o dia todo e ficar aí rabiscando caderno velho? Você não sabe nada da vida, sua imprestável, inútil. Quem disse que você escreve alguma coisa? Sinto lhe dizer, mas estamos no Brasil, queridinha e no Brasil ninguém dá o mínimo valor a escritores, isto é, se você fosse uma. Nesse país ninguém gosta de fazer nada, por isso essa porcaria não vai pra frente mesmo. Bando de vagabundos... – saindo do quarto – E vê se trata de limpar essa sujeira se não quiser apanhar.
Nem mesmo Aline sabia que eu escrevia porque me sentia envergonhada em mostrar a quem quer que fosse, ainda mais com a velha Naná recriminando a literatura contemporânea, dizendo que ‘os autores de hoje em dia são fúteis e sem conteúdo’. Ela nunca valorizava minhas redações e por mais que o texto estivesse impecável, sem erros ortográficos, nunca cheguei a experimentar a sensação de tirar 10.
Primeiro dia ensolarado. Cássia faltou aula. Rumores até juravam que ela enfim transferiu-se para um colégio particular, ou seja, as zoações parariam. Sem líder, as idiotas não passavam de alunas comuns. Era até uma ótima chance para recomeçar e subir nos conceitos da galera. Seria um bom ano.
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