12 de janeiro de 2012

Simplesmente Tita - Cap 2 - A bomba no mundo encantado!


-Quero que conheça alguém muito especial, Tita.

Uma amiguinha?

Eu bem que adoraria. Sentia-me tão sozinha no colégio, ainda mais estudando com a mesma turma desde sempre, com as mini patricinhas e suas mochilinhas cor de rosa, os babacas que puxavam meu cabelo e me chutavam quase todo intervalo. Recebi os mais diversos apelidos ofensivos dos quais até hoje dolorosamente me recordo.

-Quem, papai?Quem é?

Estávamos passeando no Passeio Público. Domingo perfeito de Sol. Aliás, perfeito era qualquer domingo em que após o almoço meu pai e eu saíamos de carro por aí. Ele me deixava ouvir as músicas que amava, tipo Spice Girls, Sandy & Junior e as músicas dance que eram febre entre os adolescentes. Eu mal via a hora de ser uma.

-Sabe aquela boneca que você me pediu?

Ah sim, a Barbie Ginasta... Meu sonho...

-Papai não vai poder te dar agora.

-E quem iremos conhecer?

-Tenho certeza de que vocês serão grandes amigas.

Uma moça meio gordinha estava sentada em um banco de madeira segurando um algodão doce por entre as mãos. Ao ver meu pai, levantou-se e eles se cumprimentaram com um beijo. Isso simplesmente não poderia estar acontecendo. Eu era a princesinha do meu pai. Não ela. Não aquela gorda. A única mulher da vida do meu pai tinha, por lei, de ser a minha mãe.

-Helena, ela é a Tita.

Se agachando para ficar na minha altura, Helena apertou minhas bochechas. Se tem algo que odeio é que force intimidade, ainda mais se acabou de me conhecer. Fechei a cara no mesmo instante e não gostei de saber que aquela bruxa tinha mais moral com meu pai do que eu.

Aos poucos os passeios foram se restringindo a cada 15 dias e normalmente Helena ia junto. Na rádio só tocava o que ela queria e eu odiava aqueles pagodes chatos, febre do axé. Nunca gostei de ver mulher rebolando em boquinha de garrafa, tratada como lixo. A essas alturas eu até poderia dizer que curtia um pouco de rock, mas para minha mãe era inconcebível. Rock era coisa de `drogado`.

Como toda garota ciumenta, tentei de tudo para chamar a atenção de meu pai, no entanto, em vão. Em um almoço no restaurante em que frequentávamos desde sempre, em plenas Olimpíadas de Atlanta, ao som de Reach - Gloria Estefan, a bomba.

-No mês que vem Helena e eu nos casaremos na igreja...

Prefiro que repita. Ouvi palavras empregadas de forma equivocada a pessoa errada.

MEU PAI NÃO PODIA SE CASAR. EU JAMAIS ACEITARIA AQUILO.

-Minha querida, já estou conversando com a costureira responsável pelo meu vestido de noiva e como você vai ser nossa daminha de honra, usará um vestidinho igual ao meu.

-O que acha disso, minha filha? - meu pai, emocionado, me perguntava

Eu adorava lasanha a bolonhesa com batata frita, risoto, refri e sorvete napolitano. Meu pecadinho alimentar de quase todos os domingos. Estava sem fome.

-Parece que não gostou da notícia. - Helena, ao menos, percebia o que meu pai ignorava - Nem na comida você tocou.

-Não estou com fome.

-Você disse que estava. - meu pai retrucou, ergueu um pouco a voz e isso me chateou

-Você nunca gritou comigo! - protestei e cruzei os braços

-Eu te conto uma notícia maravilhosa e é assim que você reage?

Eu nunca soube como segurar o choro nem a raiva. Não queria ser dama de honra de ninguém, muito menos usar um vestido igual ao daquela porca imunda que estava roubando meu pai de mim.

Odiava o modo como sorria e tocava em meu pai. Odiava como ela conseguia tudo que queria sem precisar se esforçar. Aquela bondade toda me soava falsa. Se eu fosse morar com ela, aposto como seria igualzinho a história da Cinderela. No meu caso nem fada podia desfazer a maldição.

Minha mãe não foi com a cara de Helena desde que a viu e não me deixou participar do que ela classificava como palhaçada. De pirraça, me levou ao Beto Carrero e me deu até o trailer da Barbie. Ela deve ter dado graças a Deus quando aos poucos cessaram os telefonemas e passeios.

Meus domingos se baseavam em almoçar e brincar sozinha tarde afora, salvo quando minha mãe resolvia visitar algum parente e então eu brincava com meus primos e seus vizinhos. Eles eram tão felizes na escola, sempre tinham altas histórias, professoras legais, adoravam acordar cedo e tinham o pai por perto, nenhuma Helena para separá-los.

Eu adorava ver novelas. Tudo sempre terminava vem no final. As mocinhas mirins terminavam fazendo shows para milhares de pessoas, com amigas, namoradinho e superavam os traumas. As madrastas feias e perversas sempre se ferravam.

Nunca ganhei aniversário no colégio nem cheguei a brincar no playground, pois uma inspetora estúpida e truculenta sempre expulsava os estudantes que chegassem perto do parquinho. Nunca participei da quadrilha na Festa Junina nem das confraternizações de final de ano.

Assim cheguei aos 10 anos e ao fim do primário os ventos da esperança sopraram em meu coração.

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