Ao menos professora Daniela não se importava se eu era BV ou não. Escrevia altas cartas pra ela, que carinhosamente respondia a todas. A prof, que realmente era uma mulher, nem sequer namorava e era tão legal de se conversar, enquanto as meninas estavam a cada dia mais irritantes, mini adultas ambulantes, um verdadeiro porre.
Um dia, debaixo da carteira da Aline, encontrei um livro de capa alaranjada falando sobre adolescência. A Aline chorou desesperadamente quando esse livro sumiu, mas eu nunca disse que o roubei pra mim.
Quando o li pela primeira vez, não entendi nada que a autora falava, pois nada daquilo fazia sentido pra mim.
Quando o li pela primeira vez, não entendi nada que a autora falava, pois nada daquilo fazia sentido pra mim.
A medida que as meninas da minha sala idolatravam a Aline, Rafa e suas amigas me deixaram lanchar com elas naquela escada que disputamos no início do ano e elas ainda continuavam vendo desenhos animados e gostavam muito de brincar. Nem lembrava mais daquelas discussões à toa e por vezes até pensei em mudar de classe, apesar de já estar na reta final do ano.
Até ouvir o nome Aline me irritava. Os meninos a idolatravam e as meninas a bajulavam, passavam horas ouvindo as historinhas dela.
-Porque lá na minha cidade eu...
Estaria eu me tornando implicante ou realmente essa Aline era um porre?
Uma semana antes de eu completar 11 anos, a Mari Franco chegou desesperada ao colégio:
-Quando vi aquilo, comecei a chorar e chamei minha mãe. Quando ela me contou o que era, não acreditei que havia acontecido.
Ela menstruou pela primeira vez:
-Hoje tem Educação Física e eu não vou poder correr. Não vou poder lavar o cabelo e nem molhar os pés pra não ter cólica.
Por algum tempo a Aline deixou de ser a voz do momento e a Mari Franco passou a se achar a adulta também, tanto que parou de brincar de boneca, até mesmo de correr e passou a se ligar mais ainda nos assuntos da Aline, que admitiu também já ser `mocinha` e acabou passando mal no intervalo a ponto de precisar sair mais cedo. Seria o preço a pagar por ser mocinha?
Eu continuava a mesma, com corpo e atitudes de criança, ainda querendo ser criança. Teria muito tempo pra ser adulta no futuro.
Na véspera de meu aniversário, enquanto arrumava meu quarto, um telefonema da casa de Aline. Era sua mãe.
-Aline contraiu uma virose, por isso não ta indo a aula desde sexta-feira. Ela ta muito mal porque adora o colégio e não gosta de perder aula, sabe. Ela me disse que você é a melhor aluna da sala e pode ajuda-la.
-Posso mesmo.
-Pode vir aqui em casa?
-Vou falar com minha mãe.
Apanhamos o endereço e no caminho eu me senti tão envergonhada por visitar Aline em seu sobrado chiquérrimo usando macacão e boné (minha mãe o odiava).
-Com esse boné você fica parecendo um menino.
-Mas eu gosto dele.
-Um dia eu ainda hei de sumir com esse boné.
Sentia um friozinho na barriga porque Aline descrevia seu quarto de tal modo que tinha até vergonha do meu com pôsteres colados na parede branca e sem vida, da minha caminha bordô de tubo com os brinquedos em cima e do meu guarda-roupa cheio de figurinhas coladas do lado de dentro da porta.
Até que paramos em frente ao número da casa onde a mãe de Aline mencionou no telefonema. Meire torceu um pouco o nariz e já teceu um de seus conhecidos comentários maldosos.
-Essa tua amiga aí é uma mentirosa.
-O pai dela mora numa mansão em SP.
-Essa região aqui não é nobre coisíssima nenhuma.
Minha mãe infelizmente tinha razão. Aline morava em um barraco!
o.O
ResponderExcluirMeire não perde a oportunidade de criticar tudo...
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