11 de janeiro de 2012

Simplesmente Tita - Cap 1 - Primeiros Passos


Ainda bem que o estigma de heroína nunca me perseguiu. De politicamente correta talvez e tão somente a fisionomia. Falar de mim poderia ser incrivelmente fácil, mas o trabalho acabou sendo mais demorado que o estipulado.

Na primavera de 1987, nascia Renata Muriel Neves Linhares, vulgo Tita. Fruto de um romance carnavalesco, meu pai foi embora quando eu estava com 1 ano de idade.

Meire, minha mãe, sempre foi perfeccionista e desde muito cedo passou a exigir o mesmo de mim. Aprendi a ler e escrever antes de entrar na escola, a custo de muitos tapas. Felix, papai, era o sujeito com quem passava os melhores fins de semana. Juntos íamos ao cinema, ao teatro e em nosso reino encantado eu era a linda princesinha, o maior orgulho de sua vida.

Mamãe sentia raiva do meu pai e tentava me corrigir por considerar a convivência com Felix um mimo sem precedente. À medida que Meire fazia isso, mais e mais eu adorava Felix. Aliás, eu tinha dois pais. Meire casou-se com Horácio quando completei cinco anos e eu fui a daminha de honra, mas até hoje sinto pavor de ver a foto em que estava usando um vestido ridículo de mangas bufantes.

Não me aproximava dos vizinhos. Mamãe não permitia. Vivia rodeada por adultos e tentava insistentemente agradá-los de todos os modos, perdendo boa parte da minha infância sem poder agir como uma criança comum. Era apenas o que eu queria. Era chato ter de sempre brincar sozinha enquanto via pela janela as outras criancinhas andando de bicicleta, jogando bola, brincando de pique-esconde enquanto eu tinha de ficar dentro de casa sendo proibida de quase tudo.

A rua em que morávamos era sem saída e em meados dos anos 90 era um dos lugares mais seguros da nossa cidade. Lógico que hoje em dia já não posso ousar a dizer o mesmo.

Quando completei 6 anos, fui matriculada na primeira série do ensino fundamental. Imaginava o colégio como um playground gigante onde haveriam muitas crianças para interagir. Pensei que depois que as aulas começassem, nunca mais me sentiria sozinha, pois teria muitos amigos para compartilhar sonhos e brincadeiras.

Acordei tão feliz naquela manhã de fevereiro e mal via a hora de me juntar aos meus futuros amiguinhos. Vi alguns pequenos chorando compulsivamente em frente ao portão e não entendia porque. Consequentemente, a magia durou mais alguns segundos apenas. Minha mãe entrou comigo e juntas fomos até minha sala. Era apenas um prédio feio e sem graça. Os grandões mal-encarados estavam por toda parte e o playground estava fechado com cadeado. Que tristeza!

O sinal era muito barulhento e a nossa `tia` era uma gorda mal humorada sem nenhuma paciência com a gente, mas mesmo a escola não sendo aquele sonho que eu idealizava, tentei me adaptar conversando com meus coleguinhas de classe, interagindo normalmente como todos faziam. Se dentro de casa eu era oprimida, não podia dizer o mesmo no colégio. Mesmo sendo zoada pelos grandalhões, podia me considerar muito feliz, mas durante toda minha vida os momentos bons tiveram dias contados.

Logo na primeira reunião com os pais, a professora me definiu como o `estorvo` da classe, a menina atrasada que conversava demais, mesmo eu já sendo alfabetizada, o que me deixava muito entediada porque só estava aprendendo o que já sabia. Quando voltei pra casa, minha mãe me levou até o banheiro, tirou minha roupa, ligou o chuveiro quente e me surrou até eu não suportar mais permanecer de pé:

-Converse de novo na escola se quiser apanhar novamente...

Quando isso aconteceu não achei que me afetaria tanto e com medo de ser surrada novamente daquele jeito, parei de conversar com meus colegas. Minhas notas aumentaram, passei a ser elogiada pela `tia`, mas não tinha nenhum amigo. Brincava isolada no pátio da escola, era humilhada pelos grandões, excluída das festinhas, porém orgulhava minha mãe, que bradava com prazer o fato de ter me corrigido daquela maneira cruel por algo que toda criança normal faz. A onda de náusea ao lembrar das palavras dela me fazem odiá-la...

A professora mal comida descontou suas frustrações nos alunos e mesmo eu sendo muito menina, me lembro com exatidão de cada grosseria, cada humilhação que me transformaram numa jovem medrosa, insegura, revoltada. Com todo respeito, que essa cadela queime no mármore do inferno. Deveria ter sido carcereira...

Em compensação, no reino encantado de meu pai eu continuava sendo a princesinha de seus olhos. Quantas vezes desejei morar com ele! Adorava os fins de semana e chegava a ter febre aos domingos por saber que teria de voltar a minha ridícula vida na segunda-feira, mas num belo dia, quando já estava com 8 anos, uma triste notícia acabou com minha vida pra sempre...

Nenhum comentário:

Postar um comentário