-Minha mãe ordenou e a última palavra é sempre dela. Sabe como são as mães.
-Meu padrasto também é autoritário. Odeio isso. – ele bufou – Então bem lá no fundo você me entende...
-É... Quase isso...
Felix e Helena me tratavam como rainha. Eu podia assistir o que queria na tv até a hora em que sentisse sono; comia muitas porcarias que minha mãe não curtia e podia conversar sem precisar levar um tapa na cara. Isso era tão bom.
Helena não parecia aquele monstro que imaginei aos 7 anos. Ela era tão dócil, não erguia a voz nunca e realmente tinha harmonia com meu pai, algo que minha mãe e Horácio não tinham.
Sentada na banqueta de onde fazíamos nossas refeições, conversava com Helena exatamente como fazia com a prof Daniela.
-Se quiser convidar suas amiguinhas para passarem as férias aqui é só ligar. Felix e eu estamos pensando em ficar uns dias a mais. Ta tão gostoso aqui que nem dá vontade de voltar.
-Posso mesmo?
Telefonei realmente, mas MF estava em Floripa com MO. Só havia uma pessoa que estava em Curitiba e eu não pensei em ninguém melhor. D. Nice não pensou duas vezes.
-Claro que a Aline pode ir sim. Coitadinha, ta tão triste em casa...
Felix voltou para Curitiba porque não queria que Nice gastasse um centavo com passagens e eu fui junto. Ela até chorou de alegria ao me ver.
-To me sentindo um nada nessas férias. Todo mundo me abandonou.
-Por que não ligou lá em casa?
-Não posso falar... Tenho vergonha.
-Deixe disso, criança. Pode ligar sempre que quiser. – Felix avisou
-É que meu telefone tava cortado, tio. Arrumar emprego ta tão difícil que eu to pensando em largar o colégio pra ajudar minha mãe.
-Não pense nisso, Aline. Estudando é que se consegue um bom emprego.
No trajeto de volta a praia comemos salgadinho com refrigerante e meu pai mostrou-se muito sensibilizado com a história da D. Nice, tanto que assim que chegou a casa novamente, passou algum tempo no telefone.
Aline em um mês já havia terminado com Juquinha e estava gostando do Mauro, um vizinho novo que se mudou, mas ele tinha namorada e ela estava de fossa, louvando a Deus pela viagem pra esquecer um pouco dos problemas.
Aline aos 11 já se apaixonava com tanta facilidade e eu nem sequer pensava nisso. Se conseguisse escapar do inferno em fevereiro já seria a pré-adolescente mais feliz do planeta, sem exageros.
-Meu pai era igualzinho ao seu pai.
-Por que disse as meninas que seu pai é rico? Por que não disse a verdade?
-Você acha que elas iriam ser minhas amigas se eu fosse 100% sincera?
Eu também mentia às vezes. Até o dia em que fui à casa de Aline, a achava a menina mais perfeita e sortuda do mundo, modificando totalmente minha visão naquela tarde. O que não imaginava era encontrar alguém que mentisse mais ainda. Nós duas juntas poderíamos fazer uma parceria e escrever novelas infantis. Enriqueceríamos com nossas imaginações férteis até por demais.
Ao fim do dia, quando estávamos esparramadas no sofá vendo Mundo da Lua, o telefone tocou. Era para Aline.
-VOCÊ CONSEGUIU O EMPREGO, MAMÃE? – Aline começou a chorar na linha – Então eu não vou precisar sair da escola?
Vendo meu pai tomando café na cozinha, voltei a admirá-lo como se ainda fosse aquela menininha de 6 anos. Mesmo praticamente com um pé na adolescência, papai voltou a ser meu herói, meu melhor amigo e 1999 prometia ser melhor que 98. Estava escrito nas estrelas.

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