Os primeiros dias de férias eu passava praticamente trancada no quarto, deitada de barriga para cima olhando para o teto, chorando, revendo as cartas da prof Daniela e relembrando desde o primeiro até o último dia de aula. Tudo me fazia querer reviver 1998 novamente, até aquela sexta-feira quando, às 17:30, meu mundo de sonhos acabou e voltou a ser aquele lugar chato de sempre.
Meus Natais nunca tiveram Papai Noel, mas eu sempre conversava com o céu, Deus, não sei. Sempre tive esperança de ser ouvida por alguém, apesar de sempre me assustar com o eco da minha voz que só chegava aos ouvidos de Meire, cada vez mais implicante e opressora.
-Quem fala sozinho é louco! Quer que eu te interne?
Às vezes dava vontade de dizer que preferia ser tida como louca a continuar morando com ela ou ir para o colégio. Reprovar de ano era uma alternativa traidora porque só prolongaria meu sofrimento. No entanto, seria bem difícil ter alguma inspiração para ser a melhor em um lugar onde eu era apenas outra idiota a ser zoada.
Janeiro de 1999. Sol, calor, praia. Mamãe odiava tudo isso. Eu tinha de me conformar em ver os outros serem felizes pela tv e eu mais uma vez esparramada no sofá usando a imaginação a meu favor, até que o telefone tocou. Era Felix.
-Você sabe o que eu penso disso, Felix, mas como Tita já está com 11, vou perguntar a ela.
Estar com Helena era duas vezes pior que estar com mamãe, porém pelo menos ainda teria a praia para me confortar. Nem pestanejei e já arrumei minha malinha. Mamãe que se danasse. Passaria 20 dias com meu pai e Helena em Matinhos. Felix passaria logo na manhã do dia 11 para me buscar e quando me viu, chorou e abriu os braços.
-Minha princesinha cresceu. – o abracei e ele até me rodopiou – Como é bom te ver depois de tanto tempo, querida.
Nos falávamos muito de vez em quando ao telefone. Intrinsecamente, senti inveja de Aline quando ela nos relatou que seu pai era rico, tinha uma mansão e fazia todas as suas vontades, mas por mais que fingisse ódio e indiferença, não foi à toa que ele me telefonou. Ele poderia me salvar.
No caminho, Helena e Felix me deixaram ouvir minhas músicas e com orgulho contei a eles que já era uma mocinha da 6ª série, amava meu colégio, mas a malvada Meire queria me colocar novamente no tal inferno.
-Por que isso, filha?
-Ela só me bate, pai. Não ta nem aí pra mim. Acho que não entende que estou crescendo.
-Nesse ano você já faz 13, né? – Helena tentava ficar a par do assunto
-12. Ainda tenho 11.
-Vou conversar com Meire quando voltarmos. Se você gosta do colégio e sabe ir sozinha, não vejo por que transferi-la, fazê-la se readaptar. Mudar de escola é sempre um pouco traumático.
Meu pai me via uma vez por ano e sabia mais de mim do que Meire. Era inacreditável.
A casa em que eles alugaram tinha 2 quartos, cozinha americana, 1 banheiro bem equipado com box revestido a vidro fumê, lavanderia e ficava a 2 quadras da praia. Quando eles não queriam ver a praia, me deixavam ir sozinha.
Almoçamos em um restaurante, depois fomos descansar um pouco e ao ouvir Spice Girls, fui para fora ver quem estava ouvindo.

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